Adhara piscou os olhos, um tanto desacreditada. Depois de séculos vagando livremente, Kirigan havia finalmente encontrado o majestoso veado. O Cervo que um dia ajudou-a a encontrar ervas para curar a sua preciosa e agora falecida irmã.
-Ele não devia encontra-lo. - murmurou Adhara - O Cervo é um amplificador da luz. Não era suposto ele conseguir encontrá-lo tão rapidamente.
-Aquele batedor intrometido encontrou-lhe. - Baghra gemeu
-Temos que matar o batedor. E seria extrema conveniência se ele manter a boca fechada tempo o suficiente para morrer com a localização exata. - Adhara inclinou a cabeça, o vestido vermelho estava sujo, como se a Shu tivesse corrido num terreno lamacento
-Adhara, queres mesmo levar essa vingança diante? - Baghra teve que perguntar
Ela via-se na mais nova. Aquela amargura vinda de uma decepção. Ela sabia o quanto essa amargura era letal. Foi a amargura de Baghra que envenenou Aleksander. Talvez se ela tivesse sido uma mãe diferente, Aleksander seria o parceiro que uma mulher como Adhara precisava ao seu lado.
-Essa vingança é a única coisa que mantém-me aqui, Baghra. - ela disse como se o maior absurdo do mundo tivesse sido proferido pela velha mulher
-E o que vais ganhar com ela? - Baghra perguntou
-Satisfação pessoal. Paz de espírito. Vitória. - chamou confiante - Também há orgulho na vingança, às vezes temos que passar por cima de tudo e todos para satisfação pessoal. Alguns chamam de egoísmo, outros de auto valorização. Eu chamo isso de sobrevivência. Tu mais do que ninguém deverias saber disso.
-Esse meu ódio criou Aleksander. E o teu ódio? Achas que criará algo melhor que meu filho?
-Não sei, depende tudo da Alina. Mas eu esperei séculos, posso não ter a Kastra, ou um corpo vivo, mas tenho paciência. Vou esperar, posso esperar mais séculos, posso esperar os mares secarem, se necessário, mas eu irei até ao fim.
-E acabarás uma alma sozinha nesse mundo.
-Essa é a diferença entre nós, Baghra. Tu tens o Aleksander a perder. Eu não tenho nada a perder. O pior que pode acontecer é eu não conseguia alcançar a minha vingança. Mas não perderei nada, afinal, para perder, tem que se ter. E eu não tenho nada. - Baghra quis lançar um Corte ali mesmo e decepar Adhara
Mas a mesma desapareceu, num rasto explosivo de luz, queimando Baghra. Ela olhou para cima. Baghra era um monstro. Um monstro que criou Aleksander, outro monstro. E Aleksander criou Adhara, um monstro ainda pior. Porque Aleksander tinha muito a perder, Adhara não tinha nem vida para perder, então, ela era a mais perigosa.
Adhara olhou para as próprias mãos, vendo as veias douradas. Aquela vingança tinha que resultar. Ela estava farta daquele tormento. Todos os dias, andando apenas pelas sombras, nunca podendo sentir o sol em si. Conjurar a luz e mesmo assim não senti-la. Aquela vingança era a sua única motivação.
Ela estava a muito por conta própria, passou meses a sofrer por si mesma. Por ter se apaixonado por Kirigan. Ela sabia que daria errado, e mesmo assim, ela nadou a favor daqueles sentimentos.
Na primeira década, a culpa a atormentou. Ela chegou a chorar. Na segunda década, ela finalmente foi atrás de Kastra. Kastra estava casada, tinha uma família. Mas todas as noites ela - Kastra - ia debaixo de uma árvore e contava seus dias, desejando que Adhara ouvisse. Adhara ouvia, mas não conseguia manifestar-se para a irmã. A segunda década foi cheia de dor, dor de ver a irmã sofrer, apesar de ter tudo o que merecia.
Na terceira década, a dor transformou-se em motivação, em ódio. Mas todas às noites, Kastra ainda era a humanidade de Adhara.
Na sexta década, foi quando Adhara confirmou que não era mais humana. Se em algum momento após morte, ainda restava algo humano dela, essa parte morreu e foi enterrada juntamente com Kastra. A única coisa que restou, foi uma alma solitária vagando pelas sombras. Sem família, sem corpo, sem amor, sem paz.
Apenas vazio e ódio. Quando alcançou o primeira século, ela visitou Kirigan. Ele estava bem, ainda era General do segundo exército. Ainda comandava os Grishas. Ainda tinha quase tudo aos seus pés. Até Ivan, aquele que ela tanto praguejou enquanto viva, estava bem, melhor que antes.
Até a amarga Baghra estava melhor que ela, algo que há um século atrás, enquanto viva, ela acharia impossível. Todos estavam bem, qualquer pessoa que observasse, estava melhor que ela. E ela era só um fantasma, um ser que via tudo mas não existia para ninguém.
No segundo século, Adhara não se importava em vagar pelo Pequeno Palácio. Nada importava mais. Muito menos Ravka. A única coisa que ela sentia era sede de vingança.
O que ela tinha a perder? Ela já havia perdido tudo. Ela perdeu Kastra, e pior, ela perdeu-se a si mesma. O que mais restava? Ela seria uma alma vagante, castigada por si mesma. Então, ele também sentiria, mesmo que por segundos, o que ela sentiu na primeira década, na segunda, na terceira, na sétima...no primeiro século...e nos restantes séculos que ela viveria com uma sede crescente de vingança.
O que ela ganharia com isso? Um minuto de paz antes do tormento voltar novamente? Bom, ela viveu séculos de tormento, um minuto de paz será gratamente recebido.
Ela sempre lembrava-se de agradecer a Kirigan, todos os dias, após a sede de vingança a corroer.
"-Obrigada por me arruinares, agora eu serei a tua ruína." - era sempre com o mesmo ódio venenoso
Nada havia restado de Adhara. Nem físico, nem emocional. Só uma criatura solitária tentando preencher o coração que há muito perdeu.
O que havia de errado nisso? O que havia de certo nisso? O conceito do bem e do mal era tão vago na sua mente, era um conceito distorcido. Um conceito inexistente. Certo e errado aplicava-se a homens, não a monstros.
Ela já havia compreendido num século dos vários que passaram por ela - ela parou de contar após o segundo, ela tinha todos o tempo do mundo, não valia a pena contar e sofrer -, que ela era um monstro.
E ela estava bem com isso, pelo menos ela era alguma coisa. E essa realização era mais aceitável do que ela ser um nada. Então, ela estava bem em ser um monstro. Afinal, não tinha nada a perder. Não tinha nem mais sanidade a perder. Não tinha ninguém para a julgar, ninguém para segurar aquele instinto predador. Não tinha nada...nem ninguém...
E ele tinha tudo...tudo que ele não merecia. Porque ele pôs o coração de lado e fez o trabalho sujo. Ela faria o mesmo.
Aleksander tinha razão: não existia ninguém como eles no mundo. E ela esperava que nunca houvesse mais alguém arruinado quanto eles...quanto ela.
Ele começou, ela terminaria. Aleksander tinha que morrer para ela finalmente partir em paz. Ele tinha...ele iria. Nem que ela tenha que esperar milénios, mas ele iria.
E bom, finalmente chegou o momento. A vingança nunca pareceu tão perto, e Adhara nunca esteve tão próxima de humanidade como estava.
Aleksander morreria!
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The Myth Of The Sun Summoner
FanficTodos conheciam o mito da Conjuradora do Sol. As duas versões eram bastante conhecidas. A primeira contava que a Conjuradora do Sol já existiu. Que ela era uma bela mulher, qualquer um rendia-se aos seus encantos, até o próprio Herético Negro. Mas...