• Música Tema de " Todos Menos Nós" :
No pé da cama... lá estava ele me encarando, sua boca escancarada com um líquido negro pingando de dentro para fora, longo pescoço torto e entranhas saltando de uma abertura em sua barriga.
Seus olhos vazios me observaram a noite toda, alimentando-se de cada gota do meu vazio, pois eu quase não tinha sonhos para compartilhar.
A mão direita estava erguida para agarrar meu calcanhar e me levar para bem longe dali, para uma escuridão sem fim... e eu estaria perdida para sempre...
Talvez finalmente em paz.
Foi o melhor desenho que já fiz, tanto que me assustei ao acordar.
— Nina!
Gemi ainda com os olhos pesados e tentei abafar a voz com um dos travesseiros contra minha cabeça.
— Você vai se atrasar! Não vai querer que eu suba aí e te arranque dessa cama, vai?
Apertei o travesseiro mais um pouco contra as minhas orelhas.
Ela iria desistir.
— NINA!
Eu desisti.
Sentei na cama tentando juntar todas as minhas forças. E como eu conseguiria levantar com a porcaria de clima que aquela cidadezinha miserável sempre oferecia?
Chuva e muito frio.
A minha vontade era de ficar na cama o dia todo. Por vários motivos, na verdade.
— Estou descendo! — falei alto o suficiente para que Leda me escutasse do pé da escada, que era onde eu tinha certeza que ela estava, pronta para subir.
Encarei o meu desenho de monstro apoiado no cavalete de frente para mim, com meus cabelos assanhados caindo nos olhos, atrapalhando a visão.
— Pelo jeito você também odeia as manhãs daqui. Está com uma cara péssima — falei apreciando cada traço de lápis. — Acho que vou te chamar de "A Agonia do Amanhecer"... O que acha? — entortei meu pescoço como o dele.
"Agonia" continuou me encarando com toda sua tormenta encarnada.— Eu sei... é tudo uma droga, não é? — Levantei com bastante esforço e comecei a me arrumar.
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A mesa do café da manhã estava impecável, como todos os dias. Leda fazia decorações com frutas e pães muito atraentes, sempre na intenção de me fazer comer além da conta.— Ah, minha nossa! Você vai se atrasar! Vamos, sente aqui e tome uma bela xícara de café. Pelas olheiras em seus olhos, vejo que vai precisar, e muito!
Eu havia passado a noite toda desenhando, não queria perder a inspiração no dia seguinte. Claro que não diria aquilo para Leda, ela me daria um sermão.
— Está bem. — Fingi naturalidade sentando à mesa, enquanto Leda me encarava com os olhos semicerrados. — Mas será apenas um café. Levarei uma maçã pra comer no caminho.
— Como assim? — Sua expressão passou de desconfiança para desespero. — Você vai acabar ficando fraca desse jeito! Olha só como está magrinha! — Ela mediu a finura do meu braço direito com a ponta dos dedos indicador e polegar, enquanto eu tentava fazê-la me largar.
— Você mesma disse, eu estou atrasada. Preferi dormir mais um pouco do que comer, nada demais. — Expliquei despreocupadamente, beliscando um pedaço de bacon.
— O Dr. Sullivan vai acabar falando mal de mim para a sua mãe e aí sim ela vai me demitir! — Leda bateu na ponta da mesa, seus traços demonstrando uma grande frustração.
— O quê? Nunca! — Quase me engasguei com o café que comecei a bebericar ao ouvir aquilo. Não conseguia imaginar minha vida sem Leda. — Eu jamais deixaria isso acontecer. Jamais. Falando nisso... cadê ela?
— Perdão?
— Minha mãe. Pedi a ela que me levasse para a escola hoje, como uma... sabe? "Tentativa"... já que a nossa relação... não é a das melhores, né? — Suspirei.
Leda olhou para baixo comprimindo seus lábios carnudos. A expressão preocupada.
— Leda? Ela ainda está lá em cima se arrumando, não é? — Me virei na cadeira para encará-la melhor.
— Ouça, querida... — a robusta senhora finalmente controlou o nervosismo. — Ela estava com mais pressa do que o normal... acordou até mais cedo do que eu e...
— Ah! Claro! Por que eu ainda tento? — Ri. — O "normal" dela é sempre estar com pressa, Leda... — suspirei, virando-me novamente para a mesa e encarando minhas pernas. — Eu sou uma idiota... por que acreditei que faríamos mesmo isso? — Peguei uma maçã e alcancei as alças da minha mochila no chão, pronta para sair batendo os pés.
— Não gosto quando você se coloca para baixo, Nina! Você... é uma menina maravilhosa! E é por isso que eu tenho certeza que sua mãe deve estar lamentando muito não poder estar com você agora.
— Lamenta nada — dei uma risada sombria. — Bom... Carl já está pronto? — Perguntei já de pé.
— Só esperando por você lá embaixo.
— Certo... então... — verifiquei se não havia esquecido nada. — Até mais tarde, Leda. — Dei as costas.
Quando eu estava prestes a chegar na porta, Leda me alcançou:
— Espere! Leve um sanduíche pra viagem também, está uma delícia, fiz do jeitinho que você gosta — ela já foi abrindo minha mochila.
— Ok, agora... por favor? — fiz menção para ela me deixar sair pela porta.
— Está bem, está bem. Mas... só mais esses biscoitinhos que assei. Veja, é em formato de coração!
— Escola... — continuei tentando sair, enquanto ela me segurava pela mochila.
— Ah! E um beijo de despedida! — Logo, meu rosto estava sendo bombardeado por beijos exagerados e maternais.
— Leda! Para! Tá bom... já entendi... também vou sentir sua falta... — tentei lutar, mas depois estava rindo e esqueci por um momento a falta de consideração da minha mãe.
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Todos, Menos Nós
Misterio / SuspensoUm monstro que nem todos vêem, realidade ou loucura? ◇───────◇───────◇ ⚠️OBRA PATENTEADA⚠️ ©2022 Dilara Le Faye. Todos os direitos reservados. • OBS: O livro entrará em revisão minuciosa após seu epílogo. Perdoem qualquer erro orto...