XVI

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– Não acredito nisso. – Sheilla murmurou enquanto se tornava consciente das coisas à sua volta. Ela abriu os olhos para um novo dia – um dia cinzento e chuvoso, combinando com seu humor que prevalecia desde a noite anterior – e se encontrava ali na sala, dormindo apertada entre o sofá e Gabriela. Mais uma vez. Que hábito era esse que elas estavam desenvolvendo? Elas tinham uma cama perfeitamente aconchegante no quarto. Ainda assim, era a segunda noite em poucos dias que elas passavam ali. A detetive estava virada para ela, a mão na sua cintura e cabeça em seu ombro. Sheilla aproximou os lábios da cabeça de Gabriela e plantou um leve beijo ali, não querendo acordá-la, parecia ser muito cedo ainda. Ela própria desejou ter dormido um pouco mais, estar absorta em seu sono, ignorando o mundo real.

Surpreendentemente, Gabriela resmungou alguma coisa inaudível e abriu os olhos para a morena. – Bem, Dra. Castro... Parece que você está sucumbindo ao conforto do próprio sofá, finalmente. – Ela abriu um sorriso provocante e Sheilla a conhecia bem demais, mas decidiu comprar o jogo assim mesmo.

– Sucumbindo? Desde quando você conhece essa palavra? – Sheilla provocou de volta, tentando virar o jogo.

Gabriela fez um bico enquanto pensava. – Acho que tô passando tempo demais com você.

– Uma boa influência, eu deduzo. – Ela riu baixinho, se sentindo vitoriosa.

– Posso dizer o mesmo aqui. Você só tem que admitir que é realmente gostoso dormir no sofá.

Sheilla cedeu, não tinha razão de ser implicante logo tão cedo. – Bem... Não é realmente mais confortável, mas parece mais... acolhedor do que a cama. – Ela acariciou o cabelo da morena e Gabriela se moveu para cima dela, apoiando o peso nos joelhos e cotovelos.

– Hum... – Gabriela estreitou os olhos em pensamento. – Pensando bem... Talvez a companhia seja mais convidativa para você do que o sofá em si.

Sheilla balançou a cabeça em negativo. – Talvez seja por isso que você goste de dormir até um pouco mais tarde. Acorda cedo demais e começa a delirar.

Gabriela fez uma cara de ofendida e Sheilla riu, levando a morena a rir também.

– Obrigada por ontem. – Sheilla disse baixinho enquanto acariciava as costas da mulher.

– Não, qual é, Sheilla... Não tem nada para agradecer. – Ela beijou os lábios da morena com carinho.

Sheilla discordou com a cabeça, mas não queria discutir. Apesar das longas horas de conversa na noite anterior e das tentativas de Gabriela de consolá-la, sua esperança de recuperar Lina tinha sido esmagada. Não, não era só isso. Sheilla se sentia magoada, quase ofendida, por alguém ter tirado a menina dela de novo. Algo tinha despertado dentro de si no momento em que Lina tinha a abraçado pela primeira vez. E não é como se ela tivesse se declarado mãe da menina, mas experimentar a função por poucos dias tinha trazido à tona sua vontade de ter uma criança. Era como se fosse uma amostra grátis daquilo que poderia ter um dia, mas que por pura crueldade fora tirada dela cedo demais. Assim como seu bebê. Ela se sentia de alguma forma dispensada pelo mundo, como algo descartado que não serve mais, como se não fosse adequada para assumir um papel que tanto almejava. Isso a machucava, e ela imaginou que talvez fosse esse o motivo: ela não tinha nascido para ser mãe.

Agora que Sheilla tinha parado para pensar, a mensagem parecia bem clara: primeiro a perda do bebê, e depois a perda de Lina. A conclusão parecia ridícula, principalmente para ela, uma cientista que não acreditava em destino ou em superstições, mas o pensamento não deixava de apertar dolorosamente seu coração, e uma dúvida sombria tinha se instalado em sua alma. Quem saberia dizer com certeza, afinal? Havia tantas coisas incompreensíveis no mundo, talvez essa fosse apenas mais uma delas.

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