XXIII

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O jeito como os seus dedos deslizavam pelos fios do cabelo de Sheilla, lentamente. Fios finos, macios, um pouco mais claros por causa do sol nascente. A forma como sua mão cicatrizada descia e subia sobre o peito da morena, constante e regularmente, enquanto a médica respirava tranquilamente o ar novo da manhã. O modo como a cabeça dela se inclinava involuntariamente para o seu lado, como se Gabriela tivesse uma força invisível que a atraísse, mesmo em sono profundo. O momento silencioso trazia paz. Era como se ela estivesse em uma bolha, deslocada da realidade, do mundo.

A morena segurou a mão de sua mulher e correu o polegar pela aliança. Sheilla era dela. Bem, não era dela, porque Sheilla não era nenhuma propriedade; ela simplesmente escolhera passar o resto da vida ao seu lado. E às vezes Gabriela nem acreditava na sorte que tinha. Ela não viu nada daquilo acontecendo: não se viu apaixonar por Sheilla, não notou em que momento passou a aceitar sem brigas o sentimento, não notou, tão pouco, que Sheilla estava apaixonada por ela também. Por isso, quando a médica tinha pedido aquele beijo – o que as uniu para sempre – Gabriela tinha ficado surpresa. Afinal, quais eram as chances de Sheilla estar na dela? Aparentemente, Gabriela era uma ótima detetive quando não se tratava de sua vida pessoal. De uma forma ou de outra ela ficou maravilhada quando as duas decidiram assumir o namoro. Era um passo grande, algo que significava que a relação das duas estava tomando um rumo sério. Mas nada a tinha deixado tão feliz até aquela manhã...

Elas já estavam juntas há sete meses. Oficialmente juntas. É verdade que muitas coisas permaneciam iguais: os encontros, a estadia dela na casa de Sheilla, os gestos e toques de antes, os olhares e os sorrisos. Assumir aquilo que sentiam pela outra tinha adicionado uma nova coisa ao meio dessas: sexo. E depois de meses juntas, Gabriela se sentia completamente à vontade com a morena. Naquela noite Sheilla tinha sugerido algo novo: strap-on. Gabriela pareceu hesitar a princípio, mas no fundo a ideia a excitava, principalmente quando se lembrou de que aquilo era via para outras posições. É claro, tudo tinha sido um tanto quanto desajeitado e cuidadoso da primeira vez, sobretudo por causa do medo de machucar Sheilla. Mas Gabriela aprendia rápido, e o fato de não irem trabalhar no dia seguinte implicava numa noite longa e cheia de amor – e desejo.

Gabriela conhecia aquele corpo. Conhecia tão bem como a palma de sua mão, cada curva, cada pico, cada ponto sensível. Ela poderia ter Sheilla implorando por ela, mas em vez disso, ela preferia oferecer. Ela estava viciada na mulher, em seu cheiro, em seu gosto, em sua voz. E como qualquer outra droga, ela sempre queria por mais. 

E ela descobriu que Sheilla também queria mais, então se amaram de novo na manhã, para começarem o dia bem, como Gabriela diria.

– Você... Caramba, você é maravilhosa, Sheilla.

– Você não fica muito atrás. – Ela riu em seguida.

– Oh, é mesmo? Bom saber. – Gabriela apertou o corpo da morena e beijou sua bochecha e roçou o nariz em seu rosto num gesto carinhoso.

Sheilla se limitou a rir, sentindo o corpo pesado com o cansaço. Ela manteve os olhos fechados enquanto sentia os lábios de Gabriela roçar de vez em quando em sua pele, no seu pescoço, em seu peito. Era o reconhecimento que a morena fazia sempre, distribuindo beijos aqui e ali antes de ninar Sheilla para o sono.

A morena se remexeu na cama e se afastou o suficiente para estudar a morena. Ela memorizou cada traço do rosto, as curvas dos lábios, os movimentos sutis dos olhos e sobrancelhas.

Sheilla sorriu em retorno e fechou os olhos quando mais uma vez, serena e em paz. Os olhos desceram pelo pescoço da detetive e Gabriela se atentou à linha fina e branca ali. A cicatriz que Bruno deixou no pescoço da morena era quase invisível, e ela estava se apagando cada vez mais e mais, assim como as memórias assustadoras que tantas vezes agarravam sua garganta como uma mão gelada, sufocante. Gabriela deslizou o dedo ali e no momento em que a mulher virou o pescoço, como se tentando se safar da recordação, ela soube que era melhor recuar.

Sobre Amor, Tartarugas e Novas ChancesOnde histórias criam vida. Descubra agora