6 - Na Palma da Mão

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O dia seguinte tornou-se um desafio, bem como o seguinte, e o seguinte. Os principais motivos vinham do facto de que tinha começado a prestar mais atenção nas atitudes da princesa de Neysa. Apesar de isso significar que teria de suportar a sua presença com maior proximidade, ao menos fornecia alguma ajuda e suporte aos pobres dos criados do palácio que ainda necessitavam confrontar desejos e caprichos da visita, mesmo quando esta era desrespeitosa com os mesmos.

Pelo menos, Lucy e Susan haviam-se oferecido também para tomarem turnos ao meu lado, garantindo que nem sempre estava sozinha no confronto. Felizmente, ou infelizmente, por um dos lados, Neysa controlava o seu mau feitio e maus modos quando as rainhas se encontravam por perto, desviando assim a sua atenção para as mesmas, enquanto prolongava o tempo com as mesmas procurando um assunto em comum que pudesse agraciar-lhe os dias. Se as Pevensie não conhecessem já a sua personalidade, era bem provável que tivessem acreditado na etiqueta que a princesa de Nanzan mostrava, mas até elas tinham visto o aspeto infeliz e esgotado dos habitantes e trabalhadores do palácio. Podiam não formular queixas em voz alta. Apesar disso, elas estavam ali, silenciosas sobre os seus rostos e sobre o corpo deles.

Ylea parecia ter recuperado alguma cor nas bochechas e nos olhos, embora ainda notasse como ficava cabisbaixa nos momentos que precisava servir a princesa. Naquele dia, caminhei para a cozinha, colocando uma mão sobre o ombro dela e deixando que o meu sorriso transmitisse alguma força.

- Se precisares de algo, podes sempre falar comigo, Ylea. Posso dispensar-te por uns tempos.

A cabeça dela balançou de um lado para o outro, a negar a sugestão oferecida.

- O meu lugar é aqui, a ajudar e a servir. Não te preocupes, Sophia. - Mas o sorriso dela não lhe alcançava os olhos. Estava desprovido de energia e sinceridade. - A princesa é fácil de se lidar quando nos habituamos.

Tenho a sensação que não é essa a verdade.

Apesar de a carne por debaixo da minha pele crepitar para que Ylea não se visse obrigada a mentir-me, tal e qual eu tinha feito no passado pela proteção da paz, entendia por completo os seus motivos e não tinha desejo nenhum que ela se sentisse desconfortável a falar-me o que quer que fosse.

Era por isso que as coisas continuavam daquela forma. Neysa, quando não tinha alguém por perto a controlá-la, vingava-se nos criados, criticando-os ou por serem demasiado lentos, ou por não serem tão elegantes como os da sua casa. Suspeitei que um dos motivos para isso acontecer se devia em parte por Peter ter voltado a desviar a sua atenção da dela.

O mais velho dos Pevensie tinha-se deslargado da princesa com o argumento que, por muito que gostasse da sua presença, necessitava ainda se comprometer com assuntos do reino, dos quais os seus irmãos ainda eram muito novos para se responsabilizarem, ou então não estava ao encargo das suas capacidades. Isso dava-nos oportunidades de estarmos os dois sozinhos, a desfrutar de boas conversas, a discutir temas sérios, sem contar das vezes em que os nossos dedos se tocavam, seguidos por choques elétricos que percorriam cada veia do nosso corpo até sentir-mos a distância demasiado grande entre nós e a diminuirmos.

Eram os nossos momentos em segredo, fora dos olhares curiosos. Nem Susan, Edmund e Lucy sabiam do que se estava a passar. E tencionava mantê-lo dessa forma, pelo menos, por algum tempo.

Um ponto positivo que esses encontros também tinham gerado é que os ciúmes por Aloysius tinham assim diminuído. De cada vez que uma carta do príncipe de Krugya chegava a Cair Paravel, Peter recebia-a com bons olhos, por vezes lendo-a ao mesmo tempo que eu, e noutras até se debruçando sobre os braços enquanto eu recitava o conteúdo da mesma em voz alta, mostrando assim a cumplicidade que existia entre nós.

If I am the King, You Would be My Queen [Spin Off]Onde histórias criam vida. Descubra agora