Capítulo 1

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O sangue se espalha com rapidez pela água, que balança com pequenas ondas e jorra pela borda da piscina, enquanto o corpo de Apolo desaparece.

Por um instante, parece que tudo o que ouço é o som das batidas do meu coração em completo descompasso, me privando de qualquer outro sentido, mas volto a realidade tão rápido quanto, por um momento, quando sou consumido pela gritaria e uma confusão vinda de algum canto de dentro da casa, porém não desvio os olhos da água balançando.

Somos só eu e meu pavor crescente e sufocante, até que... PORRA! A dor aparece como um rolo compressor, me atingindo em cheio e com força. Minha visão se embaça. Nunca senti nada parecido e queria ser bem mais forte, contudo, só consigo choramingar baixinho com a visão apavorante do sangue na água. O borrão preto, indistinto em meus olhos, imóvel no fundo só me deixa mais apavorado sabendo que é ele.

É como se minha vida tivesse se afundando no momento em que o corpo de Apolo caiu. Eu poderia muito bem ser puxado com ele. Tremo de dor e um calafrio me lambe dos pés à cabeça.

Meu ombro queima como se o próprio garfo do diabo penetrasse em minha pele crua. Sinto a camisa colando em mim, a quentura do sangue lambe minha pele.

Apoio a mão esquerda na madeira abaixo e me levanto, um pouco cambaleante, para caminhar ao encontro do homem que precisa de mim. Não posso deixar que fique lá embaixo por muito tempo. Dou apenas uma passada antes que alguém barre minha passagem no exato momento em que tiros altos são disparados e me encolho, primeiro de susto, depois de dor.

Arrepio.

Meu rosto está encharcado com lágrimas e o cheiro forte do sangue queima minha consciência. Sinto como se meu cérebro estivesse grande demais para caber em meu crânio, há tanto para assimilar e me sinto zonzo e fraco, desequilibrado e retardado.

Se isso for um pesadelo, gostaria de acordar agora mesmo! Ergo a mão esquerda e a apoio em meu ombro ferido, como se isso fosse me livrar da dor, mas mal sinto meu corpo, pois eu inteiro sou um ombro baleado e isso é tudo que consigo sentir. Grito, aos prantos.

Alguém fala comigo e ouço a voz longe. Não distingo absolutamente nada além da maldita dor que ferve meus tecidos, penetra em meus ossos e causa um looping continuo em meu pensamento.

Por que está doendo tanto, tão de repente?

— Você vai ficar bem — garante alguém, muito longe; ou seria perto?

Só quero que a dor pare.

— Meu Deus, ele está sangrando pra caralho!

— Alexandre, não dorme. — Vejo o rosto de alguém, porém não o associo com um nome. Está tudo muito confuso.

O garfo do inferno continua queimando meus músculos e nervos, quase chegando na alma. Minha respiração está pesada, difícil. Me manter acordado parece impossível quando a inconsciência é tão tentadora e inebriante quanto uma injeção de morfina.

Dor.

Dor.

Dor.

Apolo.

Perco o controle.

Essa dor é comum? Deveria ser? Não sei! Não deveríamos nos acostumar com algo assim. Eu nunca senti nada assim!

E a última coisa penso é no nome dele. Penso em como tudo em minha vida agora começa e termina com ele. Sem ele eu não sou nada e a ideia facilita na entrega. Antes de desaparecer, vejo-o novamente caindo na água.

***

Uma das melhores coisas na insciência é a ausência que ela proporciona. A ausência de sons, das dores, preocupações, dos medos e temores... a ausência de quase tudo porque, mesmo na ausência, não me esqueço de como ele me olhou antes de cair. De como tudo se perdeu do nada e de como fui inútil para salvá-lo com a mesma garra com que ele me salvou, de como ele merecia ser salvo.

GUIANDO O PRAZER (+18)Onde histórias criam vida. Descubra agora