XVIII
O espaço existente entre a razão e nossos sentimentos, por vezes, torna-se confuso. Sendo um humano dotado de um senso crítico com domínio de suas próprias filosofias, consegue-se estabelecer uma perfeita distinção entre ambos paradigmas.
Neste caso, Jerónimo estava longe de perceber essa distinção, porém não por falta de esforço. Em todas hipóteses que passava a considerar ganhavam o quê de intangível. A simples tarefa de fazer um julgamento minimamente justo estava a foder-lhe os miolos.
Diante de si estavam, bem alinhadas, três fileiras, brancas como neve. Inalou-as com prontidão, como que um pedido por alívio. Essa sensação perdurava por segundos incontáveis. De esguelha, observou cautelosamente o ambiente.
Se sentia submerso na estranheza daquele lugar e as correntes frias que adentravam pelas suas leves cortinas ricocheteavam sua espinha e como que uma pétala, a solidão o acometeu tão carinhosamente.
Sabia bem entregar-se à angústia, algumas vezes. Pela oitava vez verificava o relógio no celular, como preferia dizer à si mesmo quando a inocente e falsa esperança de uma nova chegada na sua caixa de entrada lhe espreitava.
O amor torna-nos frágeis ao invés de fortes, pensava. Tinha que travar esta batalha mesmo com seus receios, deter suas fraquezas e resistir à tentação de na primeira oportunidade humilhar-se ante o amor.
XXX
Na manhã, ainda aos olhos preguiçosamente, viu na sua janela escorrer ao longo de sua extensão desordenados pingos, do dilúvio que parecia cair sobre Maputo. E dentro da cabeça raspada havia batucadas alternadas entre fortes e delicadas. Virou-se para deitar de barriga e sentia o estômago a embrulhar estranhamente e no fundo dessa repercussão de anormalidades, bem no fundo mesmo, ouviu os toques breves de suas notificações.
Jerónimo tinha uma vida online bem presente. Prova disso é o feed da sua conta pessoal do Instagram. Muito ar de boémio e vegetariano, sugerindo algum interesse pelo flamenco. Mas estando tudo isso numa rede social cujas aparências divergem o bastante da maioria das realidades, Jerónimo de certo modo detinha uns bocados da cultura cigana entretanto colocando isso num contexto contemporâneo do século XXI, sem deixar de lado as fortes raízes africanas avivadas em si; se descer bem fundo lá no seu perfil dá-se de cara com um jovem bonito empilhando no topo da cabeça, quase perdida pelas tranças dreads, o imenso turbante para amparar suas longas madeixas.
Nalgumas imagens acima, já se denota uma pequena transição na fotografia de Jerónimo; Cores mais esfumadas e mescladas, de tonalidades secas e um pouco mais agonizantes um tanto de melancolia. E nas postagens mais recentes do perfil, tem-se um retrato jovial do rapaz e com sorrisos mais sinceros e puritanos. É observado nesse conjunto a sugestão de sua sexualidade em cliques de momentos coloridos com breves aparições intimistas de Alexandre, entretanto, nada que afirmasse ou deixasse a desejar.
- Alô!
- Bom dia. Como estás?
Boa pergunta: como estou?!
Estava tudo menos...:
- Bem. Estou bem. – Disse num tom seco.
- Peço imensas desculpas. Com certeza aquela não foi a melhor forma de te contar mas magoar-te era a última das minhas intenções, é nisso que eu quero que acredites, Jerónimo. Juro!
Engoliu cada palavra. Debateu-se com o forte ímpeto de lacrimejar. Que dor era aquela que conseguia atingir profundezas até desconhecidas pela pureza orgânica? Era amor, Jerónimo. O famoso amor.
Mas ainda era amor?
- Tá tudo bem.
- Eu sei que não. Mas, por favor... - interrompeu-se. – não desconsidere tudo aquilo por que passamos...
Desconsiderar? Aquele discurso tinha que melhorar. Por Deus...
- Sei lá... preciso ver-te, eu acho.
Sim, ainda o amava loucamente e sentiu isso se libertar do próprio peito. Contudo, impedido de gritar vividamente que sim.
Vagueou pelas arestas do quarto e seu olhar se fixou na janela; tinha uma vista atípica da sua rua. Os prédios pareciam não mais lá estar, o seu inclusive com a excepção do seu piso. Não do seu apartamento. Simplesmente seu quarto para ser preciso. Estava uma solidão submersa no subconsciente e pretendia que aquelas fossem suas últimas doses mas não quando a merda do coração voltava a colocar os bois em cima da carroça.
Talvez era a disposição de cambiar os papéis e ver o melhor no pior das situações. Ya, talvez fosse isso mesmo.
Naquele mesmo dia, Jerónimo transou e se masturbou posteriormente meio que por culpa. Quando contemplou seu próprio sémen escorrer-lhe pelos dedos viu as demais ocasiões (nos tempos mais felizes, que faziam parte de um passado que ainda vadiava pelo presente) em que sorrisos cúmplices seriam transferidos nas suas intimidades com Lennon.
Tomou seu primeiro banho a sós, pós um término.
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As Rosas de Vênus
RomanceCrescendo num ambiente fora de época, despertou interesses inestimáveis, paixões incontestáveis. A contemporaneidade, e o medieval, ao seu ver, seria a sintonia perfeita, expressa numa tela, num parágrafo, numa peça teatral. Uma verdadeira obra orqu...