XIII

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Rosas

Precisava mais do que simples nicotina a correr-lhe pelas veias. Pois tudo parecia-se fora de alcance das suas órbitas. Estava tudo a começar a ficar literalmente confuso. Eram responsabilidades demais para suas costas que se despiam do conceito dessa palavra desde que se assumira como um jovem inconsequente.

Aquela carruagem já estava a seguir por um rumo que bem no início de sua viagem não era o pretendido, em contrapartida, sentia-se tentado a permancer nela para descobrir onde aquele segmento o destinava.

Ao soltar o penúltimo suspiro daquela tarde, se deparou na dianteira da entrada harmônica e contagiante de Marie; esta que ao ouvir o som estridente da campaínha, deu breves e alargados passos até a porta.

Não conseguira mais que uma expressão idiota e gotas genorosas de suor frio no rosto para os efeitos das saudações que estenderam-se por dois palmos de boas maneiras.

Como aquela roupa podia assentar-lhe como o encaixe de uma luva? Seus lábios estavam mais reluzentes voltados para um rosado escarlate; o que estremeceu-lhe os pêlos do corpo inteiro!

Não podia crer no que se estava a passar; estava dramaticamente apaixonado!

E isso era merda total, pois a gerência desse sentimento estava a tornar-se de loucos.

Chegados à cave não conseguia pronunciar sequer um terço daquilo que se dispunha bem na ponta da língua.

Foi uma burrice ter vindo, pensou.

– ... Então, acredito que se fizermos menção de alguns factores relacionados à política, economia, o regime vigorado nessa altura, conseguiremos abordar a essência do Renascimento não só enquanto uma revolução artística, compreendes?

Estava a ficar gradativamente mais confuso. Não conseguia se conter perante as proximidades da perambeira libidinosa. E isso não era nada bom. Era tudo uma foda!

– Pois. – conseguiu dizer, a escorrer-lhe gotículas salgadas pela face negra. Retirara os óculos da ponte do nariz e passava um lenço pela cara com leve nervosismo.

– Tudo bem? – quis saber Marie, unindo o cenho.

– Hã? Sim, estou, Marie! Eu estou bem. Estavas a pensar em fazer menção de factores socio-económicos e políticos?! É uma jogada-padrão, se assim posso dizer, toda gente primeiramente leva isso em consideração para concluir suas ideias no final, então isso será um clichê despercebido que estaremos cometendo.

Desembrenhou o cenho, e teve que concordar com ele.

– É... – murmurou ainda pensativa – Temos de encontrar uma maneira de todas as formas.

– Ryie!

– Sim.

– Quando começaste a pintar?

Alexandre viu o mais belo dos sorrisos que Marie podia desenhar em seus lábios doces e complacentes.

– Eu não sei. Mas existe uma história por detrás. – gesticulou convidativamente para que ele se dispusesse num dos bancos atrás de si. Num cantinho da cave – o mais enpoeirado – amontoado de quinquilharias, Marie alcançou no topo um quadro coberto por um lençol. E com todo cuidado o acostou num tripé de telas.

A visão de Alexandre não podia estar mais que maravilhada com a balbúrdia e mistura de cores lambidas na tela, revelando uma silhueta feminina e com a pele desnuda, com os olhos aprofundamente castanhos voltados à tonalidade do mel. Com o peito bem avantajado e curvas exuberantes a mulher do retrato exibia a zona mais íntima do corpo aos uivos de prazer que se concedia durante a abstracta profanação sexual evidente em profunda análise da obra.

– É divino! – disse ele com os olhos espencados na tela. – Já pensaste em expô-lo?

Ela deu uma risada breve. – Todo mundo pensa. Mas respondendo à tua questão, já sim. Mas a imagem é bastante íntima que cogitar nessa possibilidade me sinto exposta. Nem o meu pai alguma vez viu isto!

– Devo sentir-me honrado por ser uma excepção?

– Oh e como deves, meu caro! – ambos sorriram.

Marie voltou a guardar sua obra-prima, e com amabilidade lançou mais tinta ao quadro que ainda estava a pintar enquanto Alexandre se esforçava em reunir o mínimo de concentração, no entanto essa tarefa estava condenada a falência.

– Sabes, noutra noite... – pareceu hesitar mas manteve a voz firme. – Senti coisas...

Nem ela própria acreditava que tinha feito uso daquela expressão um tanto pouco burguesa.

Coisas – repetiu ele.

– Sim, Alexandre, Coisas. – largou a palheta e postou seu corpo bem na frente de Alexandre. – Eu não sei se percebeste, mas há qualquer coisa que se está a passar connosco, e eu sei que finges não perceber. E olha, que não imaginas o quanto me mordi para não te ter dito nada, mas os sentimentos vencem-nos sempre a razão, não é mesmo?!

Cabisbaixo, passou a mão pelo rosto transtornado reconhecendo a razão em cada sílaba que a rapariga proferira.

– A verdade é que a tua indiferença, silêncio, culminou com o sentimento que, pesadamente, carrego em mim, como se a essência dos meus dias fosse. Não julgues que minha ligação foi num acto de pura descontração, custou-me mais que todo meu material artesanal que aqui vês. E serei-te plenamente sincera, se voltasse a ter a mesma oportunidade faria tudo novamente. Tal e qual, Alexandre. – a tonacidade de sua voz denotava-se com o gradual decréscimo.

Alexandre mais parecia ter recebido uma facada no peito para cada remessa de palavras. Suas órbitas deslocaram-se dos principais eixos e em seu corpo percorria uma radiação eléctrica.

– Eu vou entender, se preferires simplesmente abandonares-me na pesquisa, porque afinal, ela já está feita desde a quarta-feira.

XXX

Deu-se por si com as roupas molhadas pela chuva torrencial que se decidiu estender na cidade, ladeada avenida à avenida pelas acácias. Ao contrário dos outros citadinos que pareciam odiar a saturação dos céus, Alexandre caminhava a um passo rítmico e melodramático, cabisbaixo, com os pensamentos todos à vapor.

Ao chegar ao seu estabelecimento preferido do quarteirão de sua moradia, constatou que tinha o celular danificado pela água a que este não escapou.

Acenou à garçonete e pediu o mesmo de sempre; cappuccino com uma colher razoável de açúcar e assim que a chávena aterrissou no tampo da pequena mesa circular, seus lábios encostaram-se na superfície do recepiente e seus ombros descontraíram pela temperatura quente que contagiava seu corpo.

Impiedosamente, seu cérebro o martirizava só pelo grande peso de consciência que agora tinha.

Não custava nada se ela não o tivesse mencionado a respeito. Seria mais fácil de se sobressair daquele embaraço, pensava todas vezes que as palavras de Marie voltavam a ecoar em seus ouvidos adentrando seus neurônios, consequentemente danificando todas suas actividades cognitivas.

As Rosas de VênusOnde histórias criam vida. Descubra agora