XI

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Rosas

Chá. Pão. Omelete de queijo.

Era tudo o que Lisângela sabia fazer para um digno pequeno-almoço de segunda-feira. A ideia de ter a mãe em Maputo por mais tempo parecia mais desconfortante ainda, e boa em simultâneo, no entanto.

Cristóvão provavelmente ainda estava irritadiço. E parando para pensar agora, Marie nem sabia se ia ou não a Londres, mas por enquanto não queria muito pensar nisso, porque a noite passada se mostrou reveladora, e podia com isso concluir que não usufruía da sua idade e cidade como devia para tirar proveito e em benefício ganhar sensações inebriantes, experiências memoráveis.

Sendo cedo demais para pensar num futuro além daquele evento, preferia não guardar imensas expectativas. Porém, tudo era excitante, sentia a adrenalina correr-lhe no sistema sanguíneo, e o efeito que tinha tudo isso sobre ela... completamente desconcertante.

Ela temia. Temia estar a se envolver mais do que pretendia. De início parecia pura casualidade. Mas com os pensamentos e sentimentos que a circundavam e corrompiam, tinham voz própria. Que ia fazer?

Não se daria o trabalho em evitar fosse o que fosse só por causas maiores ou por receio em se ferir. Se entregaria quantas vezes fossem necessárias e juraria de pés juntos não se arrepender perante quaisquer consequências dessa atitude.

Era jovem, e via uma vida plena pela frente. Não tinha projectos para o futuro se não conquistar reconhecimento naquilo que melhor fazia desde que se designa por um ser; arte.

E por isso mesmo que sorria a cada remessa delicada de tinta acrílica na tela já colorida por alguns traços desleixados vívidos nos tons laranja, preto, amarelo que simulava uma silhueta meio que humana e felina.

Salientar que estava ansiosa por o ver novamente e obrigatoriamente teria de lhe ver na mesma, porque tinham uma pesquisa por fazer e apresentar. Para ser sincera, ela não tinha nem uma ideia em mente, distraiu-se com as habilidades bem másculas de Alexandre, este que parecia não medir esforços para ver seu corpo contorcer e se debater com o concreto no qual estava ela impressada aquando dos seus actos pecaminosos.

A cave estava mais enpoeirada que na sua última visita. A alguma altura teria de procurar por uma máscara para evitar gripes intermináveis.

Até que então seu telemóvel vibrou no bolso traseiro das jeans de ganga.

Um número desconhecido piscava no ecrã.

Praguejou alguma frustração antes de atender a ligação num tom bem cuidado.

– Marie! – exclamou uma voz jovial e masculina do outro lado da linha que de princípio não a reconheceu até que em fracção de nanossegundos recorreu à sua base de dados não muito enriquecida mas nem por isso inútil.

– Olá! Tudo bem?

– Queria que estivesse... – disse o jovem com um suspiro cansado – Estiveste com o Lennon depois do Centro?

Quem me dera, desejou.

– Não. Depois de lá, veio deixar-me em casa e acredito que ele também tenha ido para casa. Porquê? – indagou, mantendo um tom casual

– Ele tem estas manias, mas ok. Ele sozinho depois dará sinais de vida.

– Há de dar. – disse. – Vou poupar-me da curiosidade donde encontrou meu número.

– Por acaso estou decepcionado ou surpreso, não sei, por ver que é facilmente possível a encontrar por internet. Mas tudo bem! Vemo-nos no sábado, e se preferires, no domingo sairemos da cidade a passeio, creio que Alexandre ainda te vá contar mais detalhes.

– Ah. Cool. Falamo-nos.

Logo que a chamada encerrou cogitou ligar à Alexandre. Mas não foi o que fez. Passou por cima da cabeça o avental, limpou as mãos com um trapo, e subiu para a sala de estar.

Discar seu número nesse exacto instante tornou-se deveras tentador, pois deparou-se somente com sua presença na habitação. Lisângela, provavelmente havia saído para gastar o imenso dinheiro das contas bancárias do noivo, e a galgar cima a baixo as lojas da cidade, só podia ter dito isso quando gritou porta fora há bons minutos. Cristóvão obviamente, estava a enfrentar mais um dia de rotina no Loundvier.

Se encontrava a gozar de plenas férias e tudo que tinha planeado para as mesmas, não se concretizava se não o simples respirar como que um dever humano. Olhou à volta na tentiva de detrminar o que seria de sua segunda-feira.

Não pensou muito, foi ter ao criado mudo buscar as chaves e levou Frank consigo na cesta da bike, este último que tentava desmistificar onde se encontrava, como se já não estivesse estado lá diversas vezes enquanto exercia funções de dama de companhia da jovem Marie.

Os raios dispostos em toda a circunferência das rodas reflectiam contra o sol emitindo no asfalto ou numa outra perspectiva, uma luz clareada à medida em que os pedais subiam e desciam conforme o movimento das sandálias de cabedal que encalçavam os pés finos e ásperos de Ryie.

Enfiou-se à margem numa das faixas da longa Julius Nyerere a pedalar que nem uma ciclista em plena "A volta à Itália" e isso pareceu deixar Frank muito tonta. No entanto, o ar impuro citadino roçava suas faces escuras, abrindo-lhe um riso conveniente para o momento.

Se deliciou com as boas reminescências que agora tinha.

Parecia que toda aquela boa onda de sensações capacitavam seu corpo de sentir a velocidade da correnteza de seu sistema circulatório. Conseguia sentir perfeitamente se realizar a fotossíntese de cada acácia que ladeava a extensão da avenida.

As finas circunferências da bike deslizavam no se exibindo de seu máximo primor à medida que a estrada declinava para o final da Julius Nyerere.

Era uma tarde de inverno linda. Podia ver isso pelo leve vento que embatia no rosto, e pelo amarelado tímido sol que espreitava num céu indeciso entre cinza e azul. Com mais algumas pedaladas podia sentir o cheiro a mar da empobrecida praia Costa do Sol.

Desmontou a bike e foi a empurrando pelo passeio. As águas salgadas denunciando seu notável nível para cada vai-vem das ondas mostravam-se um apropriado lugar para Frank, assim descansaria da rotina tão monótona que vivia debaixo de uma cama. Ou então um meio para a tartaruga compreender a origem de seus ancestrais, caso fosse possível a faculdade da razão de tartarugas.

Marie continuou a impelir a bicicleta já na areia ávida e branquiçada na direcção do mar que se apresentava patentemente com uma coloração não muito vistosa em questão de uma praia. Como se pode esperar de fortes sopros vindos do aquário guarnecido pela natureza, no colo de suas águas, seu cabelo já voava exuberantemente desajeitado por trás e seus olhos tentavam adaptar-se à correnteza enquanto o sentido do olfacto esforçava-se em inspirar condignamente o ar salgado.

Já não podia contar com o pôr-do-sol. O dia já havia se ido, no entanto com a honesta e credível promessa de retornar.

Seu corpo entrou em uma espécie atónita de contacto com aquela natureza a seu redor. É certo que quando nos colocamos à estas experiências, esperamos que elas nos tirem do solo em que pesadamente estamos fixados com uma simples levitação sem recorrer à meditações brandas, mas em prática, na dinâmica, torna-se tudo tão hipócrita que nossa mente consegue adaptar-se a tal situação proporcionando-nos uma ilusão de completo afastamento da presente realidade.

Marie não se distraía do som das aves, não conseguia arrancar dos pensamentos o facto de estar, secretamente, venerando sua noite de domingp e implorando ao destino que colocasse o responsável de seu prazer carnal dessa mesma noite bem diante de si e que fizesse com seus corpos não estivessem separados pela pele que permeava ambos corpos, dos quais um deles pedia por isso veemente e que se encontrava à beira de insanidade.

A areia nos seus pés perfurava seus dedos com tal leveza e discrição.

Mar. Areia. Uma estocada. Um suspiro. Elevação de sensações.

Tudo que conseguia distinguir a partir dali.

As Rosas de VênusOnde histórias criam vida. Descubra agora