VIII

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Rosas

É incrível como dadas situações do nada, podem se inverter para proporções bem desproporcionais daquilo que esteja dentro de nossas capacidades de contorno. As dimensões daquele compartimento agora se pareciam mais reduzidas diante daquele, pequeno ainda, confronto entre seus pais.

Não via outra solução se não pigarrear e sugerir que os dois tomassem direcções contrárias, para se distrairem e absorver toda aquela atmosfera pesada que se fazia sentir.

- Eu vou dar uma volta. Marie, cuidas da louça por mim, sim?

- Esteja descansado.

O homem foi ter ao criado-mudo, levando para o interior do bolso de suas largas jeans as chaves e sua carteira. Antes de atravessar para fora da casa lançou beijos à filha, ainda que seu rosto aparrentasse um tanto cansaço quanto desânimo.

Lisângela, voluntariou-se a levantar a mesa e colocar os pratos no lavatório da cozinha (para a surpresa de Marie), enquanto isso, a filha fazia suas actualizações no celular.

- Então, podemos ir ao cinema, e dávamos uma espreitadela em algumas lojas. - sugeriu a senhora.

Com certeza aquilo estava fora de cogitação sua, que para além disso, tinha seus planos já programados para ainda mais tarde com Alexandre, que já quase nada tardava, embora a situação anterior causar um tanto embaraço que no momento parecia-lhe uma obrigação satisfazer algumas vontades de ambos lados ainda que fosse a contragosto só para dar a aparência daquele dissabor não ter acontecido.

- Tenho já coisas marcadas... - falou sem passar a vista na mãe.

Lisângela meio que não esperava por aquilo. Sabia que as coisas não seriam tão simples assim que aterasse Maputo, mas não nessas dimensões que estavam completamente fora de suas expectativas, pelo contrário, estava a se tornar bastante complicado e todo aquele estrago foi possível num curto intervalo de horas.

Olhou para o prato circunferencial ensaboado, escarregadio ao seu delicado tato da palma como o horizonte que serviu para recorrer o mais fundo de sua alma para se encher de fôlego e dissipar com o fracasso precoce.

- Oh... tudo bem, temos tempo de sobra para isso - pontuou.

Marie franziu a testa já erguendo a expressão perplexa para a outra. Estudou o rosto da mulher que se mantinha calmo, sereno e... calmo. Bom, para não ter de se arrepender de suas últimas palavras, retornou a mesa para recolher a louça restante.

- Deixa isso... eu dou conta. Podes tomar o resto da tarde livremente. - ordenou, com tom amigável, Lisângela.

- Uau! - não pôde mais conter seu espanto que na verdade era surpresa, e no entanto, não se ia deixar derreter. Deu um simples aceno com a cabeça, pensou em dizer um obrigado mas estava muito fora de questões que abrangiam seus padrões comportamentais.

Deixou o pano em cima da bancada e correu escadas acima para alcançar, o quanto antes, o seu armário.

Não precisava de uma eternidade para se colocar nas simples jeans e na t-shirt dos KISS, e se submeter a julgamentos desnecessários. Tratava-se apenas de uma reunião para troca de ideias diante da pesquisa que teria de realizar junto de um rapaz interessante, de muito bons modos e de uma conduta que parecia, incrivilmente, a atrair. Nada mais, correcto?

Com o celular em mão, digitou rapidamente uma SMS à Alexandre:

Para: Alexandre Idealista

Estou praticamente já despachada. Ainda estamos combinados?

Atenciosamente, Ryie.

E no minuto seguinte obteve resposta:

De: Alexandre Idealista

Devo vir ter consigo, madame? Ou seus termos e conceitos de independência masculina são abrangentes à essas proporções?

Alexandre.

Como podia evitar risadas com aquela observação tão um pouco crítica, entretanto uma genuína visão? Nesse mesmo instante viu-se com o aparelho tecnológico abraçado ao peito e só faltava que seus pés flutuassem muito acima do céu e para além das portas do paraíso.

Podia suspeitar do que se estava a passar consigo mesma mas não se escusava de se perguntar sob que condições aquilo estava a acontecer.

Tempo depois de sua transe envolvida em contos de fadas, nos quais nunca chegou a depositar crenças para que existissem na dinâmica da vida real, a rapariga mandou-lhe uma mensagem a indicar-lhe as coordenadas para que a pudesse apanhar, para então juntos - com o que realmente não estava a contar - rumassem a seu destino.

Deu mais dois dedos de conversa com sua mãe enquanto esperava a chegada de sua boleia. No entanto, a conversa parecia-se entre ela e o relógio de pulso, que na sua opinião, estava com segundos adicionados para cada minuto que verificava lentamente passar.

- É um gajo, não é? - disse com uma sombra de malícia na face.

Ao perceber isto, Marie a prior não sabia onde mais se situava a conversa antes daquele remate acertado. Então, com um suspiro e sorriso brincando nos lábios, admitiu.

- Pois - recostou a cabeça no sofá.

- E estás a te envolver. - declarou enquanto melhorava sua postura no estofado.

Claramente que isso fazia o menor sentido para o modo como a situação que havia entre os dois jovens ainda não podia se tomar como um envolvimento, a despeito disso, nesses últimos dias, parecer uma pequena vontade de Marie.

Mas havia sempre o lado da lógica para a chamar à razão e lhe dar consciência que as coisas não funcionavam tal como o nosso coração, por vezes, cegamente, deseja.

- Hum - fez uma cara de desaprovação, porém no mesmo instante substitui-a por uma expressão pesarosa - nada que me mantenha com paradoxos sentimentais durante a noite. - disse.

Não estava disposta a ter uma conversa de mãe-filha-amigas, naquele exacto momento mesmo que se tenha voluntariado a encará-la sem a presença do pai, portanto, parecia conveniente esperar por Alexandre do lado de fora de casa e evitar aquelas demoras interpretadas como charmes que a maioria das raparigas, e mulheres em geral, fazem para dar a entender que o processo não seria nada fácil. Treta! Para Marie era tudo uma treta.

Mal beijou as faces as faces impecáveis de Lisângela, bateu com a porta e deu-se imediatamente de cara com o veículo de Alexandre que dobrava a esquina para a sua rua.

Alexandre encostou o carro do outro lado da rua e, involutariarmente, Marie acenou com o braço com o semblante mais ridículo que podia, e ao mesmo tempo se perguntava porque sentia uma revolução de temperaturas frias abaixo de seu estômago.

- Contava ver-te mais caprichada que o normal! - adiantou-se ele, enquanto ela se metia no interior da viatura.

- Ninguém disse-me que era o encontro. - replicou com risadinhas.

As Rosas de VênusOnde histórias criam vida. Descubra agora