XV

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XV

Talvez aquele fosse o início de mais um final de temporada na vida seriada de Lennon. Estava a prever o cenário caótico em que aquilo se tornaria.

Em fracção de nanossegundos, passou-lhe pela cabeça a seguinte sequência dos factos: uma birra de Jerónimo, depois a sua cara esbofeteada a seguir de umas tantas lágrimas de ruir o mais resistente tímpano de tão aguçada e irritante era a choradeira de um gay (era engraçado usar este termo agora) aí então teria seu namorado divagando nu pelo cómodo enquanto se perguntava freneticamente como seria aquela barbaridade possível e por fim, este recolheria suas roupas ao chão e deixaria o imóvel sem sequer olhar para trás deixando ao porteiro do prédio as cópias da chave que lhe foram atribuídas assim que começara a frequentar aquela casa mais de três vezes por semana.

Mas então, Lennon percebeu que estava a idealizar isto tudo há um bom tempo e se deu de frente com o namorado que o encarava com um sorriso dócil enquanto aparava-lhe as sobrancelhas.

- Quando o percebeste, querido? – perguntou Jerónimo com o tom calmo.

- Recentemente, acho! – odiava a merdosa sensação de culpa que o acometia, afinal, estava prestes a admitir que copulou fora da delimitação do relacionamento que mantinha e perdurava por bom tempo. Olhou para seu parceiro nos olhos: - Olha, não quero que percebas isto da pior forma...

Arfou pesadamente antes de prosseguir com sua confissão.

- Conheci alguém. Uma moça... Nos envolvemos e pêras, meu instinto animal na forma mais intensa despertou assim que percebi que estava-lhe com o pénis no ventre.

- Poupas-me dos detalhes, sim? Eu sinto-me apunhalado. No entanto, não farei nenhuma cena porque simplesmente não consigo, e... preciso mesmo de colocar as coisas na grelha e estender-me um bocado ao sol – largou-lhe nos lábios um beijo que carregava nenhum resquício de sentimentos.

Esperou ouvir a porta bater porém o jeito cuidado de Jerónimo mal fez a tranca se ouvir. E Lennon, naquela noite acendeu um cigarro, expeliu o tabaco. Daí acendeu o segundo e perdeu a conta assim que percebeu estar a compor uma partitura à que deu o nome de Yoko.

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Na manhã seguinte, ouviu o barulho estridente da campainha; ao que não estava acostumado. E agora irritado por que decidiu que faria um curto exílio no seu apartamento. Tinha optado por se abster de todo o melodrama que podia estar a acontecer para fora daquelas paredes.

Viu-se forçado a levantar da cama, puxando da poltrona no canto uma t-shirt e calções.

- Lennon! – observou Litumes agarrado à uma garrafa que provavelmente continha algum álcool. – Bom, tal como eu esperava encontrar-te, mas só que passou um pouco da dose. Entao, man, do que tens te ocupado?

Alexandre teve a intuição de coçar as suas bolas mas sentia que não era assim tão íntimo de seu amigo que provavelmente tinha acabado de largar alguma casa nocturna algures naquela imensa cidade, pois estando ciente do seu cheiro a tabaco pairar por todo cubículo, percebeu o cheiro de álcool no corpo de Litumes.

Talvez era melhor começar com um chá verde aquela manhã de exílio que provavelmente estava já comprometida com a inesperada visita que já se sentia cómoda o suficiente para avançar para a área da cozinha e procurar pelo saca-rolhas

- Bom, simplesmente fucking around, na verdade. – disse ainda preocupado com aquela pequena invasão. – diga-me onde conseguiste te embebedar tanto assim?

- Olha, eu aqui, não tive a melhor semana, meu caro. Então, o que eu fiz?! Aproveitar os benefícios que o álcool me pode proporcionar, pelo menos até antes da ressaca. Podes por favor, fechar as cortinas? Esse sol está merdoso, céus!

Alexandre entrou para a cozinha, ligou a chaleira eléctrica e preparou duas chávenas.

- Acho que é três vezes melhor fazer-me companhia neste chá do que assistir a foderes com o próprio fígado. E não, as cortinas vão permanecer assim, porque o sol está glorioso.

- Isto é apenas champanhe, meu caro. – afirmou Litumes enquanto fechava num estrondo um dos armários – o que me faz lembrar que não preciso de um saca-rolhas – se posicionava para sacar a rolha da garrafa lustrosa.

Lennon, sacou-lhe do poder e levou a mesma para a geleira. – mais do que ninguém precisas de um banho digno e uma refeição de gente, nesta manhã depois disso, vais-te embora porque preciso colocar algumas ideias em gavetas.

- Não percebeste ainda que não tenho para onde ir? By the way, vi Marie ontem!

Ok, isso despertava um pouco mais sua atenção! O que Marie faria numa casa nocturna? E com quem estaria? Ah, fuck! Era à isto que tentava se abster ao declarar um confinamento domiciliário.

- Ai sim? Ela às vezes faz isso.

- Isso o quê?

- Ah, esquece... estava eu aqui a divagar... hum, podes emprestar-me a tua casa? Sinto que preciso reunir um tempo para mim e quem sabe criar alguma coisa. Longe da urbe e toda a sua toxicidade de cá.

Litumes bebericou do chá e soergueu seu cenho. Ele sabia que a casa a que estava a se referir era na verdade de seus avós que acabou ele herdando. E agora que isto estava sendo colocado à mesa, podia sentir as saudades a penetrarem-lhe o peito e os momentos frescos e salgados assentaram-se em sua memória. Isso fazia-lhe lembrar também que tinha de em algum momento tirar férias ou something.

- Vais levar o Jerónimo? Odeio sexo gay, bem sabes, meu caro. É muito savage e eu que...

- Vou sozinho mesmo. – disse num tom fraco. Percebia-se a sua voz esvair para um certo incómodo...

Ok, o nível de álcool em suas veias e entranhas já estavam a diluir-se por entre outros fluidos de seu corpo. Confinamento domiciliário, o rosto amassado, bolas cheias. Litumes estava a dar-se conta de que provavelmente, Jerónimo estava por detrás de toda aquela melancolia na casa que vedava a aura de seu amigo. Talvez não devesse questionar o mais óbvio, no entanto, sentia que em algum momento ele pudesse compartilhar um pouco de seus feelings para variar. Não lhe aliviava o saco mas a alma descarregava algumas pequenas toneladas de aperto.

- Lennon... Que se está a passar?

- Sou bissexual, meu.

- Marie?

Acenou com a cabeça positivamente.

- Merda! – exclamou – Tens a certeza?

- Não. Estou confuso, na verdade. Não sei por onde começar a reavaliar minha orientação sexual.

Ele não dispunha de nenhum discurso afinado e bem retaliado que pudesse usá-lo para confortar seu amigo, sentia-se impotente pela primeira vez dentro de horas, desde que tinha sofrido uma precoce ao se envolver em saias e peitos na noite passada. Mas essa era uma frustração que preferia guardar para si mesmo.

Apalpou-se por todo corpo até localizar seu chaveiro; do mesmo excluiu uma chave em processos de oxidação e pousou-a sobre a bancada.

- Quando achares melhor, passe por lá. Mas olha, não exageres e não penses que esta merda não estará cá quando entenderes que te sentes não mais asfixiado. Desejo-te sorte, cabrão.

Terminou seu chá de folhas com que não estava nada a simpatizar-se e lavou o rosto antes de abandonar o cubículo.

As Rosas de VênusOnde histórias criam vida. Descubra agora