XVI

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XVI

O tiquetaque do despertador ressoou por todo o cómodo e I Love You More Than You'll Ever Know repercutia enquanto a voz desleixada de Winehouse se escapava das notas pré-estabelecidas. A rapariga se deparava com um impasse; Roberta tinha lhe chamado para sair e sentia-se inspirada para jogar tinta numa de suas telas brancas.

Mas então, o seu compromisso com a arte há muito que estava interrompido e a qualquer momento o cantar de uma ave qualquer pousaria de musa para si. A idiota esperança de que Alexandre era o que o futuro próximo tinha reservado para si, após se meter em relações nocivas, morria ao perceber que ao final da canção Winehouse gritava bem baixinho love is a losing game.

Talvez o seu investimento não tinha sido o suficiente mas sabia que qualquer negócio que se revela promissor, a mínima injecção de capital extrapolava em sucesso ou em um retorno positivo.

Suas lágrimas por dentro clamavam por liberdade mas tinha se prometido que não deixaria isso acontecer por motivos inquestionáveis; era esmagadora a sensação de rejeição. E no meio disso, a culpa ganhava espaço em sua destruição pessoal.

Eram muitos "talvez" e "e se...".

Ao final das contas não era muito difícil se decidir.

Aquela era uma das noites frias da cidade. Porém o aglomerado de gente naquele espaço suava e se predispunham a sexo fácil desde que lhes fosse oferecido.

- Tens lume aí? – Perguntou Roberta que tinha surgido banhada de entusiasmo da pista. Atrás dela caminhava para junto de si um sujeito com feições que lhe eram familiares.

- Marie?

Esboçou um fraco sorriso e acenou ao rapaz, que ao contrário da sua amiga, com nada de entusiasmo. Os seus motivos estariam evidentes se expusesse um pouco mais de seus sentimentos aos seus.

- Conhecem-se? – Gritou Roberta por cima da música alta, colocando o braço à volta da cintura do jovem Litumes.

- Sim, do clube. – Respondeu o jovem. – Ela e meu amigo Alexandre conheceram-se lá.

- É verdade. Conheci-os no dia da minha apresentação. – Passou o isqueiro à Roberta que acendeu o cigarro e puxou de uma vez só dois tragos. – Eu inclusive perguntei-te se não estavas interessada em acompanhar-me.

- Mas não mencionaste a apresentação. Esta miúda está presa ao passado. Dispõe de uma prateleira com impressos das mais autênticas autorias; Shakespeare, Brontë, Austen... Such a nerd!

- Lennon mencionou também o teu lado artístico bem contemporâneo. Devias ter visto, ela parecia apaixonada demais enquanto eu na verdade procurava saber o que exactamente estava ali a acontecer. – Virou-se para o garçom que passava por ali – mais três taças, sim? Obrigado.

- Não te preocupes, não foram essas maravilhas como ele está a dizer. Ao final dela foram críticas atrás de críticas ao praticamente concluir que Shakespeare tinha um senso criativo bem limitado.

- Modéstia à parte, meu bem. Anda lá, vamos dançar. – Puxou Litumes por trás – Não vens?

- Venho já ter convosco.

Sentia-se deslocada da sua zona de conforto. Acendeu o terceiro cigarro da noite e tragou-o profundamente em seguida levando goela baixo o uísque que previamente já bebericava (sim, a rapariga estava a beber exactamente isso). Caminhou pelas arestas daquela sala escura até encontrar a saída. Sentiu o frio lhe abraçar e um tesão dentro de si estremecer.

Queria sentir o seu cheiro e penetrar-lhe os sentimentos. Poder fazer seus estímulos vibrar e repercutirem por todo o seu corpo. Precisava exalar suas promiscuidades por entre os mistérios do seu prazer. E aparentemente, aquilo não seria possível. Não naquele exacto instante.

Mas afinal, o que havia de errado em si? Não, não. Não podiam ser coisas óbvias. Já tinha se prometido que não se pouparia de possíveis mágoas. Caminhou pelo passeio quase que na berma da estrada ornamentada pelos grandes arvoredos e material descartável ao longo do alcatrão.

Puxou profundamente o último trago de seu cigarro. Espalhou a fumaça e observou aquela composição se descompor pelas vagas frias que corriam.

Mas então, olhou com mais atenção à sua volta e percebeu, em flagrante, a sua solidão. Se apressou em voltar e sem hesitar mandou vir dois goles bem dados de tequila e com dorso de sua mão limpou seus vestígios.

Dentro do bolso do seu casaco alcançou seu isqueiro já no momento, vazio.

Merda.

Lançou o olhar por cima dos ombros e um cabelo comprido e esvoaçante engajado em tranças de madeixas bem longas interceptou-lhe o rastreio.

- Tens lume? – Era uma pergunta idiota, sabia! Seu sangue estava aos fervores e pensar que a taxa de sua libido naquela noite podia não estar mais comprometida, definitavamente a deixava entusiasmada.

O rapaz ainda meio que desnorteado punha à prova a sua consciência depois de prestar serviço em deitar goela baixo mais do que o recomendado.

- Oi? – Perguntou bem alto por cima daquela música alta.

Marie chegou-se bem no limite do ouvido e proferiu algumas palavras, que subitamente fizeram com que Ângelo se levantasse e seguisse a rapariga saindo e invadindo novamente a noite fria, por entre recônditos das proximidades.

Não demorou muito para aquilo começar; os objectivos e as individuais pretensões estavam mais que esclarecidas. Contra o concreto, sentiu sua frequência cardíaca disparar aos picos e seu ventre sendo invadido com subtileza e ordenou que aquilo não parasse nem por um instante.

Queria que aquele membro voluptuoso arrancasse toda a magia que Lennon deixara ficar afixado bem no âmago de seus apetites. E naquele acto em questão, vingaria as suas paixões não correspondidas.

As Rosas de VênusOnde histórias criam vida. Descubra agora