VII

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Rosas

Não que estivesse ansiosa, embora ter se aprontado com um bom tempo de antecedência; havia que ser pontual. Olhou discretamente para o pai, reparando que este também não aparentava estar calmo com o olhos vidrados no fluxo de pessoas que aparecia pela porta de desembarque.

– Devíamos ter trazido uma plaquinha ou algo do tipo. – comentou, distraído, Cristóvão.

À isso, Marie simplesmente preferiu não responder, estava se poupando de quaisquer ridicularidades que poderia ter cometido se o fizesse. Permaneceu calada na sua busca pela mulher.

Sua visão disparava para aleatórias perspectivas no intuito de disfarçar sua ansiedade, sem certeza de estar obtendo sucesso. Das batentes de desembarque, as pessoas e malas não paravam de surgir. Marie sentindo sua pupila dilatada pensou na possibilidade de uma dor de cabeça caso seus órgãos oculares se esforçassem na simples tarefa de procurar alcançar Lisângela.

No entanto, isso se tornou numa hipótese nula ao sentir um grunhido aliviado do pai ao lado.

A mulher por que tanto e ansiosamente esperavam ambos, empurrava sua mala para fora da sala de desembarque com tal cansaço, que fez com que Cristóvão corresse até ela, tomando as rédias da condução do paralelopípedo dinamizado por rodinhas.

Lisângela reprimiu um sorrisinho tímido e seus olhos, inexplicavelmente, brilharam quando se afixaram na figura de sua primogénita com o ar um bocado atónito.

A mulher, dos óculos escuros, revelou os olhos semelhantes ao da filha cujo formato negavam qualquer chance da mesma não ser a mãe de Marie, embora a maquiagem e as roupas caras esconderem alguns mais detalhes.

– Ryie!? – se exaltou com um gritinho – Marie!

A jovem estendeu mecanicamente seu braço esguio impondo uma certa distância para que a mulher não surtasse e não se emocionasse no meio de tanta gente impaciente e cansada, cujo estado abrangia a si também, ao que lhe foi retribuído o gesto por parte da outra.

– Vamos. Só consegui pôr o carro nas últimas vagas. – Cristóvão se afastara rapidamente deixando para trás a ex-mulher e filha.

Juntas, sem indícios de cumplicidade, se limitaram a prestar saudações e seguirem para a viatura.

XXX

A mesa já estava posta, e como é claro, Cristóvão se encrregara das tarefas culinárias. Só que ao invés do Rock'n Roll habitual, se expandia para os quatro cantos da casa Jazz, na voz delicada de Lira, apesar dos ouvidos artísticos do fã dos Pink Floyd, contestar alguns outros gêneros, inclusive o Jazz.

Marie desceu a pouca escadaria que acessava a parte de baixo da casa, e a visão que teve sobre ela, parecia não ser mais a mesma de algumas horas antes. Era estranho ter que dividir o teto com sua mãe, ainda que fosse a coisa mais normal na sociedade. Mas aí é que está! Ela não se considerava um ser ou cidadã normal. Podia jurar que toda sua precedência alguma vez foi provida de senso de normalidade.

– Vocês precisam de escovas novas, pelo menos uma na casa de banho. – observou Lisângela com leve desdém em sua expressão.

– Cá ninguém usa isso, Lihie! Nem Marie usa coisas dessas.

– Ora essa, e é exactamente pela Marie que sugiro, ela é uma jovem que como qualquer outra mulher precisa se aparar, nem um bocado que seja.

– Isso tem a ver com uma das boas maneiras londrinas? – em modo de interferência, perguntou Marie.

Lisângela bufou e disse rendida:

– OK, vamos deixar isso para outra ocasião. Vamos falar, então, da vossa ida a Londres!

Marie quase jogou fora a água que bebericava calmamente até aquela novidade soar para seus ouvidos e depois sintetizada pela faculdade da razão do cérebro.

– Hã? Londres? – se estampou no rosto da jovem uma expressão meramente atônita bem como de surpresa.

XXX

A refeição prosseguiu em silêncio total, mantendo-se apenas alguns suspiros despreocupados, outras vezes um simples inexplicável revirar de olhos. Marie tinha a cabeça a repousar sobre o erguido cotovelo de forma incontestavelmente antiética, embora não se preocupar muito com isso. Já os seus progenitores só abriam a boca para lá depositar os alimentos que ingeriam continuamente. Espetou o garfo em três batatas fritas do prato e colocou pela guela abaixo num estimado longo minuto.

Era-lhe difícil crer que tinha de ir a Londres para assistir Lisângela adentrar uma das maiores igrejas da religião cristã, acompanhada pela marcha fatigante nupcial, o véu branco a arrastar por baixo todas pétalas das rosas, que provavelmente seriam providenciadas para a ocasião.

É claro que ainda não eram motivos suficientes para não concordar muito com a ideia de presenciar a cerimônia, mas isso se tornava descartável quando ponderava qual posição ia assumir Cristóvão para contornar o embaraço que era a situação.

Ela se deu por rendida já há muito em querer explicações que justificassem o afastamento de seus pais – alegada no início um breve afastamento do casal – que desde então nunca mais houveram sequer notícias da mãe.

– Ainda têm muito tempo para avaliarem o convite. – disse Lisângela com um tom distante.

Seus olhos cruzaram-se com o de seu ex-esposo, este com o olhar completo de dar a entender-se nada.

– Caso aceitem, não devem se preocupar com as passagens, hospedagem. Tomás toma conta de tudo isso, aliás, eu também em algum momento entrarei nas despesas.

Oh, isso vinha mesmo a calhar! Mas não muito, pensou logo Marie, ao perceber se elevar um estado de frustração no rosto do pai, que já se pronunciava:

– Não. É óbvio que não aceito sob essas condições! Quantas vezes tenho eu de lhe falar que eu, para esta miúda, sou um homem? – sua voz estremeceu.

– Ah, vens lá tu com asneiras de tempos já mortos, Cristóvão. Sabes que isso não é incômodo algum para ele.

– Mas é para mim! – rematou com a voz mais grave que antes.

Marie ficou estática, observando a exaltação de ambos e grunhidos soltavam a cada vez que o outro se manifestva. Em toda sua vida, zelada por um pai solteiro e uma mãe distante que interagia consigo pela internet, nunca havia visto uma sequer discussão que fosse dos dois.

– Quanto machismo para um homem como tu, Cristóvão. Eu entendo o facto de isso pegar-vos, principalmente a ti, desprevinidos, por conta das passagens, vistos, etc, que é o que faria com que vocês lá não fossem por motivos financeiros, mas olha, eu quero ter a minha filha comigo nesse momento especial para mim e assim sendo, crio todas as máximas condições para lá tê-la.

– Se é da Marie que precisas, leve ela então! – sua testa já franzida fazia sobressair acentuadas rugas e o sangue de todo seu corpo parecia se concentrar nessa região.

– Preciso de ti lá também porque eu não quero que ela sinta-se completamente deslocada e sem ter com quem conversar ou passar tempo. – a voz da mulher cedia gradualmente o tom enraivecido para o mais terno.

– Ela é uma rapariga cheia de vida, fará amigos londrinos e aproveitará o melhor da cidade sozinha numa aventura, que comigo lá. – sua voz também ficava calma – Está decidido, eu fico.

Daí ocorreu silêncio absoluto na mesa.

As Rosas de VênusOnde histórias criam vida. Descubra agora