XVII

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XVII

Um zumbido entrava pelos fundos naquele instável intervalo entre a realidade e o mundo fantasioso reservado aos nossos sonhos dormidos. Um filete de luminosidade perfurava suas pálpebras que pesadamente se erguiam.

Marie contemplava ao seu lado um corpo masculino nu e o seu próprio, envolvidos num enlace que sugeria o que se sucedera no período em que perdeu o controlo sobre sua lucidez e que tinha se submetido às suas frustrações inquietas, que certamente levaram-lhe até ali.

Cuidadosamente desfez-se daquele emaranhado e alcançou as suas roupas, ao bico dos pés vagava pelo claro e pequeno quarto procurando os seus sapatos. O relógio de parede apontava exactas 8 horas.

Antes de abandonar aquele cenário de pecados, com o leve lençol cobriu o corpo magro de seu mais recente amante.

Enquanto fazia seu percurso de volta para casa a pé, o sol escancarado se exibia para cima de si, Marie procurava mais detalhes para reconstruir a cronologia dos factos e simultaneamente queria ver-se livre daquelas roupas o mais rápido possível seguido de um glamouroso duche.

À medida que avistava a fachada de sua casa, a rapariga ouvia a voz de Knopfler gritar pelas colunas de seu pai, foda-se a vizinhança, dizia o fã dos Pink Floyd. Cristóvão contava-lhe histórias sobre sua juventude quando pequena; que a deixavam entusiasmada e faziam com que ela quisesse o mesmo para si; encontrar uma paixão e à ela se entregar e dedicar, acoplado a um coração que fizesse brotar o amor no seu coração.

E encarando sua posição, estava tudo confuso. Algumas questões eram mais exaltadas que exasperações apaixonadas. Se via envolvida num emaranhado de sentimentos turbulentos que sugavam-lhe as energias.

Acendeu um cigarro enquanto vestia. O seu estômago estava todo embrulhado e sua cabeça pesava umas imensas toneladas sobre seu corpo, encarando seu existir naquele corpo enquanto se olhava com honestidade diante do espelho.

Por todo seu traseiro percorriam longas e claras estrias, por suas costas desciam tatuagens e tatuagens que lembravam-lhe cada episódio que levou-lhe as assinalar em seu corpo, no epicentro de seus seios miúdos e enrijecidos suas auréolas apontavam-lhe o reflexo, seus longos braços eram a estrada que levava uma e outra tatuagem. Seus dedos dos pés mexiam-se e libertavam-se do cansaço que sentiam.

Seus olhos estavam cansados e brilhantes, seus lábios começavam a escurecer e secar. Seus cabelos ostentavam madeixas crespas e volumosas embora em épocas passadas tenham se exibido em outras colorações.

A sua barriga se estendia numa projecção contra a gravidade. Alguns dias ela não se importava, em alguns chegou até achar que aquela era a sua característica mais marcante porque expressava a naturalidade de seu corpo. Em dias piores, entrava em crises se julgando por não se esforçar em entrar nos conformes de um físico padrão.

Detrás do espelho, surgiu Frank, mastigando uma folha de repolho, lentamente caminhando para debaixo da cama que estava ainda intacta.

Seu celular vibrava no cimo de sua mesa. Puxou dois tragos do tabaco e atendeu no terceiro toque:

- Alô!

- Bom dia. Falo com a Marie Fonseca?

- Ela em pessoa. Quem é?

- Aqui é Gracinda, recepcionista da 'A Galeria'. Alguns de nossos curiosos estiveram a apreciar alguns trabalhos seus e pretendem reunir-se consigo na próxima quinta-feira, para apresentarem-lhe suas propostas. Gostaria de saber de sua disponibilidade.

No mesmo instante sua mão tremelicou um bocado que para assegurar que o aparelho não fosse vencido pela gravidade, o encostou o máximo possível ao ouvido com os dez dedos.

- Estou sim. Disponível, claro. – disse a jovem, com suas habilidades meio que contorcidas.

- Óptimo! Marcamos então, para as 9 horas, tudo bem?

- Perfeito. Quinta-feira, 9 horas. Perfeito! – Fim de chamada.

Enfiou-se na primeira camiseta absurdamente larga e plenos pulmões saiu do quarto gritando:

- Paaaiii. – Não podia deixar de esboçar um sorriso curvado nas suas faces. – Sentia o entusiasmo a possuir. Perfez os dois lances de escada abaixo e viu as linhas de susto expressadas no rosto do fã dos Pink Floyd.

Cristóvão levou mão ao peito e suspirou e bateu:

- Eu já não tenho idade para estas coisas. – disse para si mesmo.

As Rosas de VênusOnde histórias criam vida. Descubra agora