VI

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๛ Rosas ๛

Enquanto passava entre os flanqueares das mesas, apanhou algumas conversas alheias, pelas quais foi tentada a parar com seu percurso a cozinha, e contestar algumas das opiniões. A sociedade conseguia ser mais ignorante a cada segundo. Entretanto, depois da frustração de minutos atrás, fez com que simplesmente se tornasse uma ignorante também, e correr para acatar com aquilo que eram as suas obrigações ali.

A voz límpida e suave de Isabel Novela, fermentava calmaria no salão lotado de gente proveniente de todos os ares. Alguns contemplavam a madeira das mesas cobertas por toalhas simples de tons escuros, o aroma que escapava da cozinha alimentando grandes expectativas da ementa em seus paladares apurados enquanto desencadeavam uma explosão única dos líquidos tintos e vívidos contidos nos cristais.

Superadas suas expectativas ao se deparar com o congestionamento da cozinha, constatou o estresse em cada um ali. Porém o que era bem provável a louça fora sacrificada e o acto mais vezes se repetiu.

–– Anda daí e envolve-te no avental, Ryie! –– berrou Emília.

Anotar pedidos, equilibrar as circunferências metálicas no palmo da mão quase sempre erguida ao ar, parece tarefa fácil. Até que podia, mas não enquanto os consumidores não colaborarem com o trabalho.

XXX

O resto da tarde e uma boa parte da noite de sábado sobrevoou. O salão agora parecia mais calmo. Da cozinha agora só se ouviam suspiros aliviados.

Dia estressante. Repetiu em seu interior.

–– Vamos. Por hoje é tudo. –– ofereceu-lhe a mão para que a ajudasse a erguer do chão.

–– Agradecida, pai! Amanhã devo hibernar, nada mais justo.

Ambos soltaram gargalhadas. Com seu braço magro envolveu a cintura de seu pai, os dois caminhando para fora do estabelecimento já com as luzes apagadas. E pronto, mais uma jornada em Loundvier havia terminado!

No pequeno carro, seguiram, pai e filha, para de volta a sua residência, que acolheu-os com a temperatura quente de seu interior, uma vez que fora dela e pelo resto da cidade se instalou um ligeiro manto frio.

Como de costume, Cristóvão se deu o tempo e esforço de preparar alguma comida rápida para o jantar. Enquanto isso, sua filha tomava uma banho quente e relaxante, em seguida confortando o corpo dolorido no seu pijama adorável.

Descendo as escadas, seu olfacto fora seduzido a ir até a cozinha, pelo o aroma que de lá escapava. Adorava a ideia de ter em casa um pai devoto à culinária e o facto do mesmo ser o proprietário do Loundvier só melhorava essa sensação.

O homem diante do fogão sentindo a presença da filha, espreitou por cima do ombro com o costumeiro semblante; olhos cintilantes e um sorriso bobo. Ela realmente se parecia com a mãe. Mas diferente dela, Marie era mais sensata e responsável. Isso com certeza ela puxou de si. Ainda assim, havia algo nela muito, mas muito dela, que ele não sabia ao certo o quê.

– Almôndegas, não é? – adivinhou Marie.

Cristóvão fez que sim com o abanar positivo da cabeça, retornando brevemente a dedicar-se à comida em preparação.

A jovem se acomodou no assento da bancada, brincando aleatoriamente com os objectos que se faziam sobre, e não tardou muito que sua mente viajasse, e seus pensamentos aterrassem nas horas atrás.

O modo como ele voltava a posicionar correctamente os óculos, parecia-lhe muito desprovido de dinâmica, no entanto, era um mecanismo preguiçosamente inteligente, o que na verdade tornara-se de seu apreço. A maneira como pronunciava as palavras; cuidadosa e articuladamente. Cabelo curto e crespo, pele escura e macia.

Decidiu que se simpatizava com Alexandre.

– Há alguma coisa que queira me contar, Ryie? – indagou, o pai, a despertando.

Os cantos dos seus lábios ergueram-se, até que de modo espontâneo soltou o sorriso completo.

– Nada que o senhor deva saber.

Estendeu a toalha de mesa, e Cristóvão serviu o jantar que prosseguiu em silêncio, para além de alguns comentários em torno da semana. Marie espetava o garfo nas suas batatas fritas e colocava-as para dentro da boca e triturava com tal lentidão, que os sons emitidos, chamavam a atenção do pai já convencido do estado aéreo da filha.

Somente o celular vibrando sobre a mesa, fez com que seus olhos esbugalhados tomassem seu tamanho normal.

De: número desconhecido

Boas noites, prezada cara Marie.

Temi que o infortúnio horário, fosse motivo mais que justo para não atender minha chamada. No entanto, creio que uma mensagem de texto não vem a ser um incoveniente, para simples votos de um bom descanso.

Alexandre (mas alguns íntimos preferem Lennon).

Para Marie ainda era demasiado cedo para concluir coisas a seu respeito, pois o pior que podia acontecer é estar irremediavelmente equivocada. Mas olha, rapazes como Alexandre não enviavam textos tão educados a uma hora daquelas.

Ou naquilo que toca sua experiência própria do mundo interativo juvenil, já estava ultrapassado. Ainda assim sua última relevante paixoneta terminou havia só dois anos, não estava tão antiquada assim para logo perceber que Alexandre seria um pouco mais, no mínimo, que seu parceiro da pesquisa.

Apressadamente salvou o número e pousou o garfo no prato, para rapidamente digitar uma resposta. Cristóvão ainda fingia não estar percebendo o comportamento estranho da rapariga.

Para: Alexandre Idealista

Se realmente a cortesia e boa educação são caracteristícas meramente suas, deve estar farto de ouvir que é muito gentil de sua parte preocupar-se de tal modo. Estamos bem presentes no século XXI (feliz ou infelizmente) e coisas destas não tendem a se observar mais e creio que a ética medieval tem sido nestes dias julgada por "ridícula", no entanto.

Lembrei-me que nos resta pouco tempo até o prazo de apresentação da pesquisa. Quanto mais cedo discutirmos o assunto, melhor.

Desejo-lhe o mais sincero e clássico: durma com os anjos.

Atenciosamente, Ryie.

Às onze e um quarto levantou a mesa e lavou a louça usada. O fã dos Pink Floyd dispôs-se na sua poltrona na sala de estar, acompanhando as letras por entre melodias que dispersavam no volume baixo pela total área do compartimento as canções dos The Beatles.

O dispositivo voltou a vibrar e seu coração inexplicavelmente palpitou e só após breves nanossegundos, recobrou todos seus sentidos e funções.

De: Alexandre Idealista

Bem lembrado. Quase me esqueci e não percebo devido a quê. Que me dizes de amanhã encontrarmo-nos no Centro Cultural Franco-Moçambicano, conviver com alguma malta que lá conheço e colocaremos em questão as ideias de ambos para a pesquisa.

P.S: Não sou religioso embora viva dentro de uma igreja, então é bem óbvio que esteja todo o dia sem compromissos a cumprir. Concluindo... o horário fica a tua escolha.

Alexandre.

As Rosas de VênusOnde histórias criam vida. Descubra agora