Capítulo 19

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O arrastar de pés suaves, quase flutuante, das enfermeiras prende minha atenção enquanto Renan conversa com a recepção, passos calmos e reconfortantes para alguns e para outros nuvens negras que anunciam uma tempestade inevitável. O ar gelado do hospital não se compara com minhas minhas mãos frias e trêmulas, com meu corpo imóvel e firme. Me dou conta que sou um iceberg: duro, impassível, frio, assustador.

A notícia me deixou em pleno estado de choque, quando a li por meio da mensagem uma correnteza de imagens se passou por minha mente como vídeos em câmera lenta onde podíamos ver raios de sol atravessando as árvores impotentes e até mesmo dente-de-leão sendo soprado pelo vento, devagar, segundo por segundo, pausadamente.

Saulo correndo comigo no Parque Ibirapuera brincando com nossos pais que foram vizinhos por muito tempo. Ele foi meu primeiro amigo pois eu era recluso e não saia de casa, talvez seja por isso que eu tenha concordado com seu namoro com minha mãe pois confiava nele até mesmo se fosse minha própria vida. Foi Saulo que me apresentou aos seus amigos e me fez ingressar na escola pois se não fosse por sua ajuda eu teria estudado em casa.

Lembranças furtivas do tempo que cantávamos no karaokê que meu pai comprou, de nossas corridas de bicicleta pelo condomínio, nossos carrinhos de batendo nas nossas aventuras malucas que criavamos construindo cidades de lego. Nossa adolescência juntos, nosso crescimento, tudo se passou como uma flecha voando até acertar seu alvo.

Por tanto ainda não conseguia processar que meu melhor amigo em anos estava entre a vida e a morte nesse exato momento, enfrentando uma cirurgia complicada com minha mãe rezendo por sua recuperação em algum corredor nos andares superiores.

— Tudo bem, obrigado — Renan diz a recepcionista, se vira pra mim — Já podemos subir, sua mãe está nos esperando, amor.

Espalmo as mãos sobre o balcão de mármore branco da recepção, respiro fundo e expiro. Ele nota meu Nervosssimo, toca nas minhas costas e me alisa com carinho reconfortador, sua mãos tiram o grude do papel de visitante, ele se cola o papel no peito e fica ao meu lado esperando que eu me acalme.

Fito meus dedos longos dispostos sobre o balcão, uns ainda machucados e vermelhos em volta de algumas feridas devido aos socos que desferir em Nico, mas poso garantir que ele está pior que eu. O tremor já parou e me sinto mais leve, deixo que os pensamentos ruins se dissipem pois quero encontrá-lo bem e falante.

Bem e falante.

Esse é meu desejo para ele. Saulo tem um talento muito grande para administração, ele é reservado mais um dos homens mais inteligentes que já conheci em toda a minha existência, não pode simplesmente abandonar tudo e todos que o amam para trás. Não percebo quando meus punhos se fecham sobre o balcão, eles querem acertar alguém, talvez o cara que tenha feito isso com Saulo.

— Estou pronto pra vê-lo — digo no que parece um murmúrio.

— Já passei por isso uma vez, minha mãe precisou fazer uma cirurgia perigosa e quase enlouqueci esperando notícias dos médicos — ele une as mãos na frente do corpo, seu olhar vasculha todos os cartazes presos nas paredes.

— O que você fez durante esse tempo?

— Tive fé e tudo ficou bem.

— Fé?

— Às vezes basta apenas isso para que tudo dê certo, afastar os pensamentos ruins e ter fé na justiça divina... — ele se aproxima de mim até nossos ombros ficarem lado a lado — as vezes isso funciona muito mais do que qualquer intervenção mundana.

— Eu vou ter... Vou pelo menos tentar.

— Agora vamos, sua mãe deve estar preocupada.

— Sim, claro.

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