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Os carros passavam pequenos lá embaixo, como se fossem de brinquedo. Guilherme sempre teve medo de altura, mas nesse momento não conseguia senti-lo. Suas pernas balançavam, sentado no parapeito do prédio, enquanto olhava para baixo com a mente vazia, como se já não existisse.
Seu corpo tremia, consequência de não ter se alimentado devidamente no último mês e de ter comido algo pela última vez há 18 horas. Sua mente estava zonza, a visão cambaleava, enquanto a garrafa de vodca estava em pé no parapeito, ao seu lado, sua derradeira tentativa de sentir algo. Suas olheiras profundas eram um elemento indicador de todos os demônios que o perseguiam sempre que encostava a cabeça em um travesseiro.
Uma lágrima escorreu.
Será que foi assim que ela se sentiu? Pensou.
Fechou os olhos e se perguntou que diferença faria, afinal de contas, ele nem deveria existir. A brisa soprava pelos cantos de concreto do prédio e não sussurravam absolutamente nada, nenhuma resposta. Fazia tempo que ele esperava pelo fim, e nesse momento, enquanto encarava o fim, ele não esperava por nada.
O vazio que sentia dentro de si não significava ausência. Havia muita coisa ali, mas eram sentimentos que ele não conseguia organizar, compreender e muito menos explicar. Sabia que ninguém entenderia, e a pessoa que poderia, não estava mais ali.
O rapaz se sentia desconectado de tudo ao seu redor, aquela não parecia ser a sua vida, e talvez realmente não fosse. Não se sentia pertencente à nada nem ninguém, nem a si mesmo. Era como um acidente, o que pra ele tinha um significado amargamente literal. Talvez ele tenha sido uma falha, um pedaço de vida que não deveria existir. A ausência de sentido havia consumido todo seu interesse em qualquer coisa relativa à vida.
Olhava lá embaixo e via pessoas circulando de maneira caótica, e se perguntava qual era o sentido daquilo tudo. O que elas tanto buscam? No caso dele, essa pergunta não tinha resposta. Ele sabia da impermanência da vida, sabia que tudo muda e tudo se vai, mas doía no fundo do seu coração se perguntar o motivo de, no caso dele, nada bom permanecer, apenas as coisas boas deixarem de ser, de existir, de acontecer, de viver. Talvez ele também devesse.
Exausto, o garoto inclinou lentamente seu corpo pra frente, fechou seus olhos, sentiu a brisa em seu rosto e o cheiro do ar sujo da cidade grande, que, assim como ele, parecia vazia de essência. Quando seu corpo estava prestes a perder o equilíbrio, ele escutou um som vindo da porta de metal que usara para chegar ali. Imediatamente ele parou, olhou pra trás e escutou uma voz conhecida, que talvez mudaria seu iminente destino.
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Não Voe Perto Dos Prédios
Teen FictionNossa vida é uma sequência ininterrupta de eventos, do nascimento à morte. Nem tudo está sob nosso controle. Sejamos honestos, o controle sobre a vida não passa de uma ilusão que, mais cedo ou mais tarde, se esvai. Guilherme Barone Vasconcelos, no d...