01 de março de 1999

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Cinco horas da manhã e Otávio já estava em pé. Já com 28 anos de idade, o filho do padeiro estava a caminho de se tornar seu sucessor. Era o braço direito de Seu Anselmo no trabalho, já preparava a maior parte do que era produzido, além de ajudar na organização e na limpeza. A administração financeira da padaria era a única parte que Anselmo ainda geria integralmente, lidava com os fornecedores, pagava as contas e calculava os lucros.

Otávio já morava sozinho, embora sua casa ainda estivesse em construção – obra praticamente parada já há quase dois anos. Comprara o terreno aos 24 anos. Naquela época, estava namorando há sete meses com uma garota chamada Maria Fernanda e acreditava estar se preparando para um futuro casamento. Porém, a moça subitamente decidiu voltar para sua cidade natal – Sobral, no Ceará – rompendo bruscamente com Otávio. Este um não havia contado à namorada sobre o terreno, e quando a mesma se foi, não quis vendê-lo e continuar morando com os pais, então decidiu morar sozinho.

Por uma escolha estratégica dele, o lugar ficava a duas quadras da padaria e da casa de seus pais, então acabou sendo prático para o rapaz. Depois desse acontecimento, nunca mais se envolveu seriamente com ninguém. Na verdade, o trabalho na padaria consumia a maior parte de seu tempo, e a vida amorosa foi se tornando uma prioridade cada vez menor no decorrer dos anos.

Essa manhã havia acordado um pouco mais cedo pois trabalharia em algo diferente. Embora já produzisse todo o tipo de coisa na padaria, havia um item do cardápio que só seu pai sabia fazer: uma torta de maçã. Era conhecida na vizinhança e fazia muito sucesso, vendia muito e havia sido desenvolvida pelo próprio Anselmo. Otávio já havia tentado algumas vezes reproduzir a dita torta, identidade da padaria, mas ainda não tinha ficado como a de seu pai. Nessa manhã ele tentaria novamente.

Tomou um café rápido e caminhou até a padaria. Seu pai já estava de pé, como sempre, trabalhando com afinco para que a padaria estivesse aberta e repleta de pães frescos às 6 da manhã. Otávio, por sua vez, tirava um tempo para a torta especial, picando e ralando maças, preparando a farofa, para colocá-la no forno antes de a padaria abrir.

Pedro, o irmão mais novo de Otávio, já estava com 21 anos e também trabalhava no negócio da família. Namorava uma garota chamada Andreia, que conhecera em um curso preparatório para concursos, há dez meses. Havia crescido muito magro e tinha cabelo encaracolado e preto, grande a ponto de cobrir suas orelhas. Nesse dia ele se preparava para algo muito importante: seu primeiro dia de aula na faculdade. O rapaz conseguiu uma vaga em uma universidade pública na capital para estudar administração, com o objetivo de ajudar o pai nos negócios. Logo após a padaria abrir, Pedro desceu pra se despedir do pai e do irmão, com um amplo sorriso no rosto:

– E aí gente, essa padaria vai ficar de pé hoje sem mim? – perguntou Pedro.

– É hoje o grande dia? – o irmão mais velho questionou, com o orgulho estampado no rosto.

– Aham, tô indo mais cedo pegar o metrô pra garantir – Pedro respondeu, sem diminuir o sorriso.

– Vai lá, garoto – Otávio saiu de trás do balcão e abraçou o irmão.

– Boa sorte, filho – Anselmo apareceu vindo da cozinha, sorrindo com satisfação, e também abraçou Pedro.

O filho mais novo partiu em direção ao seu primeiro dia de aula. Alguns minutos depois, a torta ficou pronta e Otávio a colocou para esfriar, esperando o movimento diminuir para ver como havia ficado. Quando isso ocorreu, chamou seu pai para experimentar e lhe dar o veredito. Era a quarta vez que ele tentava recriar a iguaria de Seu Anselmo, sendo as três primeiras sem sucesso.

– Dessa vez eu piquei mais a maçã, do jeito que você tinha falado – Otávio disse, enquanto cortava uma fatia para o pai, ansioso.

Seu Anselmo pegou a fatia, mordeu, mastigou e degustou lentamente. O rosto naturalmente sério de Otávio escondia muito bem o nervosismo que estava sentindo. Seu pai terminou, e declarou:

Não Voe Perto Dos PrédiosOnde histórias criam vida. Descubra agora