Guilherme odiava tanto os dias que trabalhava, quanto os que não o fazia. Porém, os dias livres eram especialmente piores, pois nos outros, ao menos, ele tinha trabalho para se distrair. Nesse sábado, em específico, havia negociado uma folga. Contando com domingo, seriam dois dias seguidos sem nada para fazer. Era muito ruim namorar uma garota que só se pode ver quando se vai à terapia: os finais de semana ficam vazios e tediosos. A única coisa boa nisso tudo era poder sair da cama a hora que bem entendesse.
Nenhuma melodia incômoda tocava em seu celular. Abriu os olhos ouvindo apenas alguns pássaros, cuja baixa e distante melodia entrava pela janela, junto a alguns raios de luz. Já era a terceira vez que acordava nessa manhã, mas nas duas primeiras apenas abrira os olhos, rolara na cama e dormira novamente. Porém, sentiu que já era hora de levantar. Algo lhe dizia que o relógio já marcava algo perto do meio dia.
Havia outro fator extremamente negativo sobre finais de semana: Otávio e Sônia estavam em casa. Só isso já era motivo suficiente para fazer com que não quisesse sair de seu quarto. Sábado era um dos dias nos quais regava sua roseira. Isso era, literalmente, a única coisa que tinha para fazer nesse dia.
Ouviu a voz estridente e incômoda de Sônia atravessando sua porta. Gritava sobre algo. O rapaz respirou fundo e se sentou em sua cama. Buscou o celular e o encontrou sem bateria. Encostou os pés no piso gelado — algo que sempre o ajudava a acordar — e espreguiçou-se. Arrastou seu corpo até a cômoda, à procura de seu carregador. Plugou o aparelho na tomada, vestiu uma camiseta e foi até o banheiro. Ao abrir a porta de seu quarto, sentiu a luz incômoda que invadia a casa cegá-lo momentaneamente.
Viu no relógio da cozinha que eram onze e dez da manhã. Sônia estava agitada, na cozinha, mexendo com diversos ingredientes que pareciam fazer parte dos planos para o almoço. A mulher não cozinhava muito bem. Ela tinha sempre boas intenções, buscava agradar seu público, mas sua comida era sempre tão carregada de temperos que ficava ruim. Otávio admitira isso um dia, para Pedro, na presença de Guilherme. O rapaz achava engraçado quando Sônia cozinhava e Otávio a enchia de elogios, pois sabia que os mesmos provavelmente não eram sinceros.
Neste momento, porém, Otávio parecia apenas impaciente. O clima não estava muito bom naquele cômodo. Deve tá triste pensando na quantidade de cominho que vai comer no almoço. Guilherme abriu um sorriso diminuto diante deste pensamento, enquanto passava direto para o banheiro. Sônia realmente colocava muito cominho na comida.
Mecanicamente, nosso rapaz escovou os dentes. Mal se olhou no espelho. Saiu do banheiro e se arriscou indo até a cozinha. Seu café preto matinal era mais importante do que qualquer mal humor de Sônia. No passado, ele se sentia mal de estar na presença da mulher depois de acordar tarde, pois sabia que ela o julgava. Agora, depois de acordar cedo a semana inteira e trabalhar em um emprego insuportável, não se importava mais. Só queria seu café.
— Bom dia. — Disse, sem se dirigir a ninguém especificamente.
— Bom dia, Gui. — Disse a mulher.
— Bom dia, filho. — Otávio também respondeu.
— Não acredito que você não comprou a manteiga — A mulher parecia um pouco brava.
— Era para comprar?
— Eu coloquei na lista!
Guilherme despejou o café em sua caneca preferida, enquanto ouviu os dois discutindo. Excluindo os momentos onde a mulher era agressiva, por algum motivo ele achava engraçado quando a mesma era grossa com seu pai. Talvez porque sentia que o homem merecia.
Voltou caminhando para o quarto, segurando sua caneca de café e arrastando os pés no chão, como um idoso. Tomou um gole da bebida e colocou a caneca na escrivaninha. Antes de ligar seu computador, foi verificar se seu celular já demonstrava sinais de vida. O aparelho estava ligado, e, quando desbloqueou a tela, viu que haviam cinco ligações perdidas, além de vinte e quatro mensagens de sua namorada:
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Não Voe Perto Dos Prédios
Genç KurguNossa vida é uma sequência ininterrupta de eventos, do nascimento à morte. Nem tudo está sob nosso controle. Sejamos honestos, o controle sobre a vida não passa de uma ilusão que, mais cedo ou mais tarde, se esvai. Guilherme Barone Vasconcelos, no d...