Não Voe Perto Dos Prédios

Capítulo Final - 12 de dezembro de 2020

Existir nunca havia sido tão difícil. Completamente trajado de preto, nosso pálido protagonista caminhava vacilante por uma das ruas da impiedosa São Paulo. Completamente sozinho, soprava a fumaça do cigarro que levava na mão direita, alternando com goles de vodca na garrafa que carregava na mão esquerda.

Voltava de uma festa clandestina organizada por jovens no subsolo de um estabelecimento qualquer, para a qual Guilherme recebera o convite em uma de suas redes sociais. Os relógios marcavam meia noite, o início do sábado, o que indicava que o jovem não havia ficado até o final da festa. Foi a primeira vez que tentou ir em um evento qualquer nesse ano. Tudo o que mais buscava era algum tipo de distração, qualquer coisa que o desligasse de tudo que sentia todos os dias.

No passado, festas, cigarros e bebidas foram muito eficientes em sedá-lo de uma existência sem sentido. Mas naquela época tudo era muito diferente. Por um lado, ele não carregava uma tristeza tão grande dentro de si como nesse momento, onde o luto ainda o sufocava. Por outro, tinha amigos que tornavam tudo mais divertido.

Ele entrou na festa, tentou beber, conversar, socializar, dançar, se distrair e até se drogar. Nada parecia certo. Nada o fazia esquecer. Não conseguia fingir que estava feliz como fazia antes, como todos estavam fazendo ali. Não era aquele vazio comum que leva os jovens a mergulhar em um entretenimento sem sentido. A dor de agora era incomparável com um vazio qualquer. Quando uma garota desconhecida começou a dançar muito perto dele, possivelmente insinuando segundas intenções, ele sentiu que não deveria estar ali.

Saiu de lá com uma garrafa de vodca que nem ao menos lhe pertencia. Agora caminhava sem sentido nem direção, consumindo a bebida pura enquanto sentia a fumaça em seus pulmões acalmá-lo na medida do possível. Jogou os cabelos para trás enquanto os olhos sombreados de azul passavam por sua mente. Respirou fundo. Era difícil esquecer. Sentia-a o acompanhando a cada momento.

A vida era impiedosa. Coisas boas acabam, pessoas incríveis se vão sem prévia consulta, e aos que ficam resta apenas lidar com a dor. Guilherme vinha falhando nisso. O último mês havia sido, sem sombra de dúvidas, o mais difícil de sua vida. Continuava trabalhando com seu pai, porém arrastava-se. Era como um ser autômato que, ao faltar carga na bateria, começava a falhar em suas funções mais básicas. Sem ânimo, energia, vontade nem qualquer tipo de alegria ou satisfação, passava seus dias sem importar-se com absolutamente nada.

Emagreceu quase três quilos nas últimas semanas. É importante notar que o rapaz, apesar de alto, sempre fora magro. Não havia mais muitos quilos a perder. Mal se alimentava. Extremamente pálido, tinha uma aparência fraca e debilitada, como se morresse um pouco a cada dia.

Havia voltado a beber. Porém, em quantidade muito maior do que em qualquer momento de sua vida, praticamente todos os dias. Encontrou no álcool, agora mais do que nunca, a substância capaz de fazê-lo sair de si. A embriaguez era sempre o objetivo. Beber até esquecer-se de si, de quem era e principalmente do que sentia.

Por motivos óbvios, nos últimos dias, isso vinha entrando em conflito com seus horários de trabalho. Já havia se atrasado algumas vezes, o que Otávio buscava relevar. Já há alguns meses, o homem evitava entrar em conflito com o filho, pois sabia que o mesmo estava passando por uma fase difícil, embora não fizesse ideia do quanto, nem dos motivos. Mesmo quando algo o desagradava, ou até mesmo irritava, Otávio guardava para si.

Porém, a situação estava ainda mais sensível, tendo em vista que a padaria contava agora com duas novas contratações. Uma moça de vinte e seis anos e uma mulher mais velha, de quarenta e dois, compunham o cada vez maior quadro de funcionários do estabelecimento. Chamavam-se Sabrina e Josiane, respectivamente. Como Otávio cobrava de maneira muito rígida os horários de trabalho de todos, era muito complicado quando seu próprio filho se atrasava. Obviamente, os funcionários não falavam nada em sua frente, mas ele imaginava que a falta de compromisso do rapaz deveria suscitar muitos comentários pelas suas costas. Não sabia o quão certo estava.