18 de janeiro de 1991

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O ano apenas começou, mas já prometia grandes mudanças – inclusive no sentido literal. As malas de Ângela já estavam prontas há dois dias. A jovem, nesta data com 17 anos, recém se formara no ensino médio. Tinha agora um corpo alto e magro, que já tomava forma de mulher aos poucos. Era considerada bonita onde morava, mas pouco se importava, pois não planejava voltar à sua terra natal tão cedo.

Renata, a irmã mais velha, agora com 24 anos, estava prestes a realizar seu sonho. Desde que passou a trabalhar como costureira na cidade, ela almoçava todo dia em um restaurante em frente à praça do centro. Foi em um desses almoços que, em 1988, depois de muitos olhares um tanto envergonhados, ela conheceu um rapaz que trabalhava em uma loja de peças automotivas também no pequeno centro do município. Seu nome era Sandro Gomes Franco. Os dois conversaram por muitos almoços e tudo acabou como tinha que ser, desde o princípio: casaram-se no início de 1990.

Renata não queria se casar quando mais nova, ela sabia que não queria construir uma vida naquela cidade. Não namorou até os 21 anos, e até esse momento Dona Fátima já arranjou para a garota dois homens "para casar", mas, é claro, ela não quis. Sandro apareceu quando sua mãe já lhe dizia que seria solteira pelo resto da vida, muito embora essa possibilidade não lhe parecesse tão ruim assim.

Sandro era um bom rapaz, alto e forte de corpo, pele preta, um sorriso divertido, com a barba sempre por fazer e uma feição inocente, ele conquistou Renata sobretudo com sua gentileza: sempre a fazia sorrir. Antes mesmo de namorar, ela descobriu que ambos, coincidentemente, executavam o mesmo plano: estavam juntando dinheiro para ir embora da cidade, para um lugar maior, com mais oportunidades e novas possibilidades. O objetivo principal era, claro, São Paulo.

Assim, depois de muitos anos costurando e juntando dinheiro, Renata finalmente conseguiria colocar em prática seu plano, unindo suas forças com seu novo companheiro. Sandro havia finalmente conseguido uma vaga garantida para trabalhar no escritório de uma grande montadora de carros na capital, então um emprego já estava assegurado para eles. Se isso tudo já não fosse motivo de alegria, Renata ainda conseguiria aquilo que julgara ser o mais difícil: levar sua irmã junto.

Ângela estava radiante nesta manhã. Acordou, colocou os pés no chão gelado e sorriu: era a última vez que seguiria a mesma rotina exaustiva que realizou por anos. Ela sabia que na cidade grande não seria fácil, mas faria qualquer coisa para conseguir seu próprio espaço. Olhou para seu quarto, as duas malas prontas ao chão, sorriu novamente e foi preparar o café.

Ela nunca preparou o café com tanta satisfação. Pensava sobretudo em seu pai, sabia que sentiria saudade dele, mas já havia conversado com o homem e este a apoiava – especialmente pelo fato de que estaria sob os cuidados da irmã mais velha nessa mudança. Reinaldo, agora com 45 anos, já não acordava tão cedo quanto em outros tempos, mas sabia que suas terras estavam em boas mãos: João Enrico, já casado há dois anos, havia construído sua casa nas terras do pai e tomado a frente da produção ao lado do mesmo.

Reinaldo acordou, foi até a cozinha e abraçou a filha, puxou uma cadeira e sentou-se à mesa. Olhava a filha com um pequeno sorriso estampado no rosto. Por baixo desse sorriso, escondia uma profunda pontada no peito, que espetava forte quando ele pensava em deixar sua pequena filha ir. Por outro lado, o homem era um pai satisfeito: seu filho, casado, seguia seus passos, sua filha mais velha, casada, ia para a cidade grande construir uma vida. Sua filha mais nova parecia seguir os mesmos passos, bastava saber quais eram seus planos.

– Vai sentir falta de olhar pra trás e ver seu pai velho esperando o café?

– Ai, pai, nem fala, não quero começar a chorar tão cedo.

O homem ampliou seu sorriso.

– Quando vem visitar? – ele perguntou.

– Sempre que puder – ela respondeu, de maneira vaga, sem pensar muito sobre isso, pois imaginava que não veria mais seu pai com a frequência que gostaria.

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