O lugar se chama Cordeirópolis, município paulista localizado a pouco mais de 150 quilômetros da capital. O dia também era especial: aniversário de doze anos de Ângela Barone Benedetti. Ela era uma menina alta, de pele branca, cabelo castanho ondulado, olhos castanhos esverdeados e um nariz comprido demais para o seu tamanho. A garota e sua família moravam no bairro de Cascalho, eram donos de alguns pedaços de terra e viviam da agricultura.
Seu pai, Reinaldo da Rosa Benedetti trabalhava de sol a sol na roça, plantando de tudo, mas principalmente cana-de-açúcar. Ele era um homem bondoso e sábio, embora fosse bruto em sua forma de se expressar. Era consideravelmente alto, de corpo forte, pele queimada de sol, cabelos quase pretos, lisos e finos, um pouco maior do que o comum para a época. Era conhecido por ajudar os necessitados da vizinhança e os trabalhadores que por ali passavam.
João Enrico, irmão de Ângela, tinha 16 anos, e ajudava seu pai diariamente nos trabalhos braçais do campo. Era muito parecido com o pai em aparência, exceto pelo fato de ser muito mais magro. Largou a escola depois de se formar no ensino fundamental, queria trabalhar na terra como o pai. Era muito esperto e engenhoso, e aprontava muito se não estivesse sempre ocupado trabalhando na terra.
Além de João, havia ainda Renata, a mais velha, à época com 18 anos. A irmã nutria o sonho de ir embora do interior, mudar-se para a capital, conseguir algo a mais do que apenas casar com alguém da localidade e morar por entre as plantações pelo resto da vida. Por isso, ela se manteve firme na escola e se formou, apesar das dificuldades e a despeito das críticas da mãe, que a chamava de ingrata por querer "fugir de casa e de suas responsabilidades com a família". Renata também se esforçava para manter a pequena Ângela na escola, esforço que encontrou apoio em seu pai. Reinaldo, com o tempo, passou a reconhecer a importância dos estudos para o futuro das filhas, queria que elas "virassem doutoras para cuidarem do pai mais tarde".
A mãe dos três era uma pessoa complicada de se lidar. Fátima Costa Barone Benedetti era muito teimosa, pouco aberta a ideias alheias e emocionalmente instável. Quando a mulher ficava irritada – o que acontecia com frequência – não economizava nas palavras, gritava, esbravejava e agredia sem pensar duas vezes. João passava o dia na roça com o pai e Renata trabalhava como costureira em um pequeno ateliê na cidade, passando a maior parte do dia fora de casa. Já Ângela era uma criança ainda em processo de adaptação a tudo isso, com responsabilidades crescendo perante a mãe, assim como as possibilidades de sofrer as consequências do temperamento da mesma.
Sua rotina era dura, Fátima a obrigava a fazer quase todos os serviços domésticos desde os dez anos. Ela era a primeira a acordar, preparava o café, que tinha que estar pronto exatamente às 5:30, antes de seu pai ir trabalhar. Apesar disso, era a última a se alimentar e ainda tinha que limpar a cozinha no final. Ela também preparava o almoço quase sozinha, já havia se queimado algumas vezes. Esta refeição também tinha horário marcado, meio dia exatamente, e Ângela já havia sofrido as consequências de atrasar seus afazeres, carregando algumas marcas no corpo, frutos de pequenos deslizes.
Ela não entendia o motivo de sua mãe ser assim, mas sabia que não tinha outra opção e foi aprendendo a obedecer calada no decorrer dos anos. Seu pai lhe dava força e bons conselhos, ele sabia que sua mulher era difícil, mas nem ele conseguia dobrar o temperamento de Fátima. Além disso, passava o dia fora, então não presenciava quase nada do que acontecia. Na verdade, o homem sabia que caso ele afrontasse sua mulher e seu casamento acabasse, ela ficaria com as crianças, e ele temia o que seria delas nesse cenário. Então Reinaldo lidava com a mulher da melhor maneira que conseguia.
Mas hoje era aniversário de Ângela, um dia para se comemorar. Apesar disso, sua rotina começou a mesma, acordada às 5 da manhã, a garota preparava o café da família. Seu pai foi o primeiro a levantar depois dela, caminhou até o fogão, abraçou a garota bem forte, desejou feliz aniversário e sentou-se à mesa.
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Não Voe Perto Dos Prédios
Fiksi RemajaNossa vida é uma sequência ininterrupta de eventos, do nascimento à morte. Nem tudo está sob nosso controle. Sejamos honestos, o controle sobre a vida não passa de uma ilusão que, mais cedo ou mais tarde, se esvai. Guilherme Barone Vasconcelos, no d...