Esfregando os olhos, Guilherme passou pela sala em direção ao banheiro, sem notar que a mãe estava sentada no sofá. Escovou os dentes e foi até a cozinha. Lá chegando, notou que não havia nada sobre a mesa, o que era estranho. Apesar de saber preparar seu café sozinho – normalmente um achocolatado e um pão com alguma coisa – o garoto, ainda com nove anos, não tinha altura para pegar tudo que precisava nos armários, então Ângela sempre deixava tudo que ele usaria em cima da mesa.
Diante do cenário inesperado, Guilherme foi à procura da mãe, mas bastou voltar pelo corredor para vê-la no sofá. Tinha o rosto e os olhos inchados. O garoto, intuitivo, já estava reconhecendo o padrão: ela havia chorado. Caminhou até a mãe, que percebeu sua presença, esboçando um sorriso fraco.
– Você tá bem, mãe? – ele perguntou, enquanto abraçava as pernas da mãe sem sentar no sofá
– Ah, meu filho, a mãe tá triste.
– Por quê?
– É meu aniversário – ela disse, cabisbaixa.
– Então era pra mãe estar feliz, aniversário tem festa, tem bolo, tem refrigerante – ele disse, se distraindo entre os itens que citava, fazendo-a rir.
– É complicado explicar o motivo de a mãe estar assim... mas eu amo você, viu? – Ângela falou, enquanto acariciava o rosto do menino.
– Também amo você – ele respondeu e sorriu. – Feliz aniversário, mãe – abraçou as pernas da mulher novamente.
– Obrigada, meu filho – abriu um sorriso pesaroso. – Agora vem cá, vamos lá fora um pouquinho.
A casa deles tinha dois andares. No andar debaixo ficavam todos os cômodos, menos o quarto dos pais – este ficava no andar de cima junto com uma sacada. Mas, além da casa, havia ainda um quintal que ocupava a porção esquerda do terreno. Nesse pedaço de terra, Ângela cultivou uma pequena chácara: havia pé de goiaba, tangerina, araçá, limão, mamão, amora e uma parreira de maracujá, sua preferida. Havia ainda uma horta, com ervas e temperos. A mulher cuidou carinhosamente desse espaço nos seus tempos livres, nos últimos anos. Sempre que estava triste, ia para esse quintal e cuidava de suas plantas – o que acontecia com uma frequência maior do que ela gostaria.
Guilherme quase nunca ia nesse quintal. Ele analisava aquele espaço e não identificava nada de divertido para fazer a não ser desenhar tudo o que via – coisa que ele já tentara, sem muito sucesso. Nessa manhã, ele estava sentado em um banquinho cumprido de madeira enquanto observava sua mãe caminhando pelo terreno, analisando suas plantas, e não ousava deixá-la. Ela voltou segurando um mamão maduro, e passou pelo filho falando:
– Não pense que esqueci do seu café – estava com uma feição mais feliz, enquanto o garoto olhou para o mamão com uma expressão de pouco agrado.
Enquanto comiam, Guilherme perguntou:
– Vai ter festa?
– Vai sim – ela sorriu – e vai ser lá na Tia Renata.
– E vai ter-
– Sim, vai ter refrigerante – ela completou a frase do filho, que sorriu também. – E a Amanda estará lá. Eu sei que isso também te interessa.
Era verdade. Após o aniversário de Rodrigo, Amanda e Guilherme ficaram inseparáveis, estavam sempre juntos em todos os eventos familiares. A garota inclusive já conversava um pouco com ele, mas sempre usando poucas palavras. Onde estavam, eles sempre estavam juntos. Guilherme gostava da companhia dela, era diferente de todas as outras crianças, parecia mais verdadeira e menos circunstancial, muito embora ele não soubesse explicar com essas palavras, era isso que sentia. Amanda, com seus complexos psicológicos originados da família biológica, gostava do jeito calmo e respeitoso do menino. Inicialmente, porque não a fazia se sentir ameaçada. Posteriormente, porque a fazia sentir-se confortável. Ela sempre o buscava quando estavam no mesmo local e adorava ir na casa do Tio Otávio – Guilherme era a única criança que ela realmente conversava até o momento.
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Não Voe Perto Dos Prédios
Dla nastolatkówNossa vida é uma sequência ininterrupta de eventos, do nascimento à morte. Nem tudo está sob nosso controle. Sejamos honestos, o controle sobre a vida não passa de uma ilusão que, mais cedo ou mais tarde, se esvai. Guilherme Barone Vasconcelos, no d...