Sexta-feira, cinco horas da manhã. A primeira luz que Guilherme viu esse dia foi a da tela de seu celular, como de costume. Porém, nesta data em específico, o soturno olhar de nosso protagonista carregava uma tristeza em especial. A padaria abriria às seis da manhã, então Otávio saía de casa às cinco, para conseguir ajeitar tudo o que precisava antes de abrir as portas do estabelecimento.
Guilherme, como trabalhava apenas no atendimento, podia chegar quando faltavam cinco ou dez minutos para as seis da manhã. De qualquer forma, ele acordava às cinco para que desse tempo de, calmamente, se arrastar até a cozinha, passar um café, se arrumar e ir trabalhar.
Foi o que fez. Já faziam mais de cinco meses desde o término. A rotina do rapaz não havia mudado muito. Acordava cedo, ia trabalhar, voltava pra casa, encontrava um jeito de matar algumas horas até poder dormir. Pensava em Clarisse todos os dias. A dor da saudade se mantinha em uma estabilidade incômoda, como um espinho cravado em seu coração, uma dor silenciosa e persistente.
A boa notícia é que havia voltado a fotografar a cidade e suas paisagens. Havia, inclusive, encontrado nisso algum tipo de anestésico para sua existência. A má notícia era todo o resto. O vírus havia se espalhado por todos os continentes e ceifava milhões de vidas. O Brasil colecionava mais de seis milhões de casos, com cento e setenta mil óbitos até este momento.
Apesar do caos na saúde pública e do aumento vertiginoso no número de casos, as regras estaduais e municipais de combate à pandemia passavam por uma flexibilização — bares e restaurantes já estavam abertos normalmente, assim como alguns eventos que contavam com grande público. Guilherme, que já não saía muito desde que conhecera Clarisse, agora só fazia o caminho de casa para o trabalho e vice-versa.
O horário de funcionamento da padaria também já estava regularizado, agora trabalhava oito horas por dia: das seis ao meio-dia, depois das treze às quinze. Havia a vantagem de almoçar quase todos os dias com Dona Silvia, que cozinhava muito bem e adorava o fato de ter a companhia do neto nesses momentos.
— Bom dia, gente. — Disse um sonolento Guilherme, vestindo um avental preto com o símbolo da padaria, para logo após encaixar seus ondulados e negros cabelos dentro de uma touca, regras sanitárias que odiava seguir.
— Bom dia, meu jovem. — Respondeu tio Pedro, no caixa.
— Bom dia. — Responderam Sônia e Otávio, quase em uníssono.
A primeira estava sentada em um dos bancos, mexendo no celular enquanto esperava o estabelecimento abrir. Otávio saía dos fundos, com uma torta de maçã em cada mão, quentinhas do forno.
— Parece que o padeiro novo tá pegando o jeito, elogiaram a torta ontem. — Pedro comentou.
— É... eu quase tive que perder um dedo pra aprender. Sorte dele que não é o pai monitorando a qualidade.
Os irmãos sorriram. Guilherme, encostado no balcão, mexia no celular tediosamente. A padaria estava se recuperando dos fechamentos e restrições que ocorreram durante os primeiros meses de pandemia. Por sorte, era um estabelecimento que tinha uma grande solidez no mercado, uma clientela fixa e recebia muitos elogios pela qualidade dos produtos e do atendimento. Anselmo havia deixado um legado de alto padrão para os filhos, que buscavam mantê-lo.
Foi uma manhã de trabalho normal e comum, como qualquer outra. Era sexta-feira, um dia de bastante movimento. Quando os relógios marcaram doze horas, nosso jovem avisou que iria almoçar e subiu as escadas para a casa de Dona Silvia.
Tal escada ficava dentro do próprio estabelecimento, e dava direto para a cozinha da sua avó. Havia sido construída assim por Anselmo e os filhos nunca quiseram modificar esse acesso, para terem um contato mais direto com a mãe. Apenas incrementaram uma grade de ferro, fechada por um cadeado, que ficava para o lado da padaria, e uma porta de madeira, que ficava para o lado da casa de Silvia, sobre a qual ela tinha controle. Essa segurança era necessária pois, já há alguns anos, a padaria contratava funcionários que não eram da família.
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Não Voe Perto Dos Prédios
Ficção AdolescenteNossa vida é uma sequência ininterrupta de eventos, do nascimento à morte. Nem tudo está sob nosso controle. Sejamos honestos, o controle sobre a vida não passa de uma ilusão que, mais cedo ou mais tarde, se esvai. Guilherme Barone Vasconcelos, no d...