Sexta-feira. O dia preferido de muita gente, mas não do nosso rapaz. Afinal de contas, ele também trabalhava aos finais de semana. Não aguentava mais ouvir a música que seu celular tocava quando despertava. Já acordou cansado, tocando desordenadamente na tela do celular, na tentativa de silenciá-lo. Mais um dia de trabalho.
Acordar, escovar os dentes, tomar um café preto morno, sair de casa atrasado, pegar o ônibus e chegar ao trabalho. Essa rotina diária consumia aos poucos o que restava da esgotada alma do rapaz. Como um morto-vivo, ele seguia esses passos, inexpressivo, quando seu celular vibrou.
21/06/2019 06:58
Clarisse:
Bom dia
Quer trocar de lugar comigo?
Eu não aguento mais aquela escola
Um sorriso rapidamente abriu-se no rosto de Guilherme, como algum tipo de milagre. Um pouco de vida despertara dentro dele.
21/06/2019 06:59
Gui:
Quer dobrar roupa e ouvir fofoca irrelevante de gente escrota o dia inteiro?
Acho que vou trocar mesmo
A garota tinha o nobre poder de fazê-lo sentir-se melhor, e não precisava de muito esforço para tal. Na verdade, para abrir um sorriso bobo no rosto, bastava que ele se lembrasse da existência de Clarisse.
Por outro lado, seu trabalho estava se tornando um peso cada vez maior. Cumprir aquelas funções repetitivas, aguentar clientes mal-educados, falsidade entre os colegas, trabalhar quase todos os dias do mês, tudo isso estava tornando sua vida miserável. Se não fossem as consultas semanais com Estéfano, provavelmente já teria pedido demissão. A cada vez que ele ia àquele consultório, conversava e ouvia orientações, sentia como se o peso em suas costas diminuísse um pouco.
Seu terapeuta aconselhou-o a largar o emprego somente quando tivesse outro em vista. Porém, o atual trabalho consumia tanto de sua energia, que ele não sentia o mínimo ânimo para buscar por outro. Além disso, a recessão econômica pela qual o país passava, aliada à sua falta de especialização e formação — cuja formação ainda não havia passado do ensino médio — tornavam muito difícil conseguir algo melhor do que o emprego que já tinha.
Estéfano aconselhou-o também a juntar dinheiro, com o passar dos meses, para futuramente comprar uma máquina fotográfica mais aprimorada e pagar por um curso de fotografia. Guilherme mostrara algumas de suas fotografias para o terapeuta, e recebeu muitos elogios. O homem disse que ele realmente tinha futuro com isso. O rapaz não sabia se era uma declaração sincera ou apenas um terapeuta tentando injetar força de vontade em seu paciente.
De qualquer forma, a ideia era tentadora. Na atual situação, qualquer coisa seria melhor do que trabalhar naquele shopping. Por outro lado, ele temia não conseguir ganhar a vida com isso, não ser bom o suficiente, não conhecer as pessoas certas, simplesmente não servir para a carreira profissional em si. Temia que as obrigações profissionais tornassem a fotografia uma cartilha a se seguir, e não uma arte a se sentir. Além disso, havia a questão primordial de juntar dinheiro para tudo isso, o que era muito difícil dado seu reduzido salário.
Cada vez que via aquele shopping se aproximando pela janela do ônibus, sentia um grande desânimo. Mas hoje estava com a mente em outro lugar. Tinha um encontro marcado com Clarisse no final da tarde. Toda semana eles faziam terapia no mesmo horário, para poder passar alguns minutos juntos antes de a garota ter que ir para casa. Mas nesse dia, eles fariam algo diferente. Realmente passariam horas juntos. Estava ansioso.
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Não Voe Perto Dos Prédios
Teen FictionNossa vida é uma sequência ininterrupta de eventos, do nascimento à morte. Nem tudo está sob nosso controle. Sejamos honestos, o controle sobre a vida não passa de uma ilusão que, mais cedo ou mais tarde, se esvai. Guilherme Barone Vasconcelos, no d...