Guilherme tinha um caso de amor e ódio com as sextas-feiras. Por um lado, ele acumulava um cansaço físico e psicológico a semana inteira, o que fazia com que esse fosse o dia mais difícil de sair da cama. Por outro lado, era sexta-feira, sempre tinha um lugar para ir – e ficar em casa nunca era uma opção.
Seus colegas haviam combinado de andar pela Avenida Paulista. Guilherme, agora com dezessete anos e no terceiro ano do ensino médio, já conhecia boa parte dos alunos da escola, embora conversasse efetivamente com um grupo bem seleto. A saída de hoje a noite havia sido uma ideia de Felipe e bastante gente havia sido convidada.
Enrolou na cama até a hora que pôde – meio dia, mais especificamente. Ficar acordado e consciente em sua casa era algo que ele evitava ao máximo. Levantou-se, foi até o banheiro, escovou os dentes, tomou um banho rápido e foi à cozinha. Pela porta que dava ao quintal, ele viu que Sônia estava sentada no banco de madeira, observando as plantas, pensativa.
Ela estava morando com os dois, havia se mudado há pouco mais de dois meses. Guilherme teve uma discussão curta e enérgica com seu pai no dia que recebeu a notícia de que essa mudança ocorreria. Mas, no final das contas, ela acabou se mudando da mesma forma.
– Bom dia, Gui... Quer dizer, boa tarde, né? – a mulher falou, do lado de fora da casa, com um pequeno sorriso.
– Bom dia, Sônia – ele respondeu, inexpressivo.
Guilherme já estava pegando o pote de café e levando à cafeteira, pronto para preparar o líquido escuro e quente que lhe ajudava a aguentar os dias e noites. Quando estava abrindo o pote, Sônia entrou na cozinha.
– Já reparou que você sempre acorda tarde, só toma café e não almoça? – a mulher disse.
– E o que tem? – dentro da cabeça do rapaz, essa frase soou como e o que você tem a ver com isso?
– Isso faz mal pro estômago, e você anda sempre tão magro – Sônia respondeu, com uma feição levemente preocupada que parecia genuína.
– Eu não tenho fome quando acordo.
– Ontem eu e seu pai saímos pra comer, e eu trouxe algo pra você.
Guilherme ficou um pouco surpreso, muito embora não tenha demonstrado.
– O quê?
– Macarrão ao alho e óleo. Ele me disse que você gosta.
De fato, era um de seus pratos preferidos.
– É que... eu tô atrasado pra escola.
Ele virou as costas para a mulher e continuou fazendo o café. Depois de alguns instantes, a mulher desabafou:
– É sério isso?
Guilherme olhou para trás novamente, um pouco surpreso mas um tanto impaciente.
– O que foi?
– Você não vai comer só porque foi eu que trouxe?
– Não é isso, eu... só tô atrasado pra aula – Sônia encarou o rapaz por alguns instantes, com uma feição decepcionada. Ela era muito expressiva, de uma forma que o irritava a maior parte do tempo. Mas dessa vez ele acabou por se sentir mal com a reação dela. – Eu como um pouquinho – ele disse, finalmente.
Sônia sorriu instantaneamente.
– Eu também vou querer um pouco.
Guilherme pegou uma parte do macarrão e ela pegou o resto. Esquentaram seus pratos no micro-ondas e sentaram-se à mesa. Juntos. Uma situação na qual Guilherme nunca pensou que estaria. Ele se sentia desconfortável por estar sozinho com ela, mas se sentiria pior se a deixasse sozinha e fosse comer em outro lugar. De qualquer forma, ali estavam os dois, frente a frente, e a mulher sorria.
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Não Voe Perto Dos Prédios
Teen FictionNossa vida é uma sequência ininterrupta de eventos, do nascimento à morte. Nem tudo está sob nosso controle. Sejamos honestos, o controle sobre a vida não passa de uma ilusão que, mais cedo ou mais tarde, se esvai. Guilherme Barone Vasconcelos, no d...