Epílogo

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Cardan

O som do meu pé batendo impaciente no chão se misturava com as vozes dos outros na fila, junto com o som de bipes e walkie talkies. Olhei para o  relógio com pedras brilhantes no meu pulso, passando a mão com irritação pelo rosto ao constatar que já estava esperando a meia hora. Foi fácil começar a divagar pelo passado enquanto aguardava, relembrando como acabei aqui.

B- Parabéns, titio!!

Foi como tudo começou, com Barata me mandando uma única foto com essa legenda.

Ainda sonolento pela manhã, ao ver a mensagem pela barra de notificação, me emocionei ao pensar que Bomba e Barata estavam esperando uma criança. Mas ao abrir a mensagem e ver a foto, a qual me fizera sentar ereto na cama, com o coração disparado, assustando Jude deitada ao meu lado, senti náusea pela mudança de emoções. De pura alegria, para desespero e angústia.

Jude se levantou em um pulo ao ver meu estado, o lençol deslizando por seu corpo nu, e se inclinou para olhar o meu celular, a imagem que ameaçava destruir toda a paz que viver com Jude me trouxe.

Jude xingara ao ver a foto, um print de uma postagem no Facebook. Ao ver Balekim, com seus olhos e cabelos escuros como penas de corvo, com a mão sobre a barriga pouco curvada de uma bela moça de cabelos castanhos, sua mão em cima da do marido. Balões azuis com frases escritas “É um menino” estavam em volta do casal sorridente.

O resto daquele dia é um borrão na minha memória, mas foi quando decidi que precisava me certificar de que essa mulher e essa criança estavam seguros.

***

Uma semana depois de descobrir que tinha um sobrinho, estava sentado numa cafeteria, em outra cidade, localizada numa rua comercial, o chá na minha frente não fazendo nada para me acalmar.

Foi fácil descobrir que a esposa de Balekim, Sara, vinha a essa cafeteria todos os dias no intervalo do trabalho, o qual ficava num prédio na mesma rua. O difícil foi se aproximar dessa mulher, casada com um homem ciumento, sem revelar minha identidade.

Levou mais de um mês para nos tornarmos amigos. Sara é uma mulher gentil e inteligente, muito mais do que meu irmão merecia. Levou muito mais tempo para que ela começasse a confiar em Cardan para contar sobre sua relação com Balekim.

Balekim era um marido esforçado e dedicado, mas muito ciumento e possessivo, apesar de Sara interpretar esses alertas como uma forma de amor.

Já havia se tornado rotina me encontrar com Sara todos os dias, no mesmo horário, na cafeteria, quando ela não foi, subitamente, em certo dia. A essa altura já tinhamos trocado os contatos, e ao abrir o chat de nossa conversa, constatei que estava bloqueado. Era um claro sinal de que algo estava muito errado.

Sem pensar, fui até seu escritório, usando toda minha lábia para passar pelas secretarias. Quando a encontrei em sua sala, congelei a porta. Para aqueles que não prestassem atenção talvez passasse batido, mas para mim, que já sabia que algo estava errado, foi fácil interpretar as feições tensas, o rosto pálido e ânimo baixo de Sara.

Fechei a porta e sentei na cadeira em frente a sua mesa.

— Você não deveria estar aqui — sua voz saiu fraca, olhando para as janelas atrás de mim.

— O que ele fez com você? — os olhos de Sara se arregalaram, com medo e surpresa.

— Não sei o que você quer dizer — ela se encolheu na cadeira, puxando as mangas de sua blusa de manga longa. Verificando de que estavam cobertas, percebi.

Estúpido CupidoOnde histórias criam vida. Descubra agora