• Aqui se faz, aqui se paga •

20.4K 2.2K 3.6K
                                    

Arte: de

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

Arte: de.saturno

"Toda a arte começa na insatisfação física (ou na tortura) da solidão e da parcialidade."
Erza Pound

0.5

Daniel A.

Eu não me curvei, nem clamei por misericórdia perante Bahia, o que aumentou a intensidade de seus golpes. Na noite que pixei o muro, eu me desculpei com aquele criminoso por medo da morte. Contudo, naquela em específico, já me encontrava em um porão no meio da favela, sem mais chances de sobreviver. Então, eu agiria como o homem que meu pai me ensinou a ser, e não me humilharia para um covarde que bate em mulheres. Se meus ancestrais aguentaram as chibatas na Senzala, eu tinha que conseguir suportar qualquer coisa.

Todos os músculos do meu rosto latejavam. E a cada tentativa de movê-los, uma pontada de dor percorria o meu crânio. Eu suspirei profundamente e apoiei o queixo em meu peito, avaliando o estado decrépito de minhas roupas. Se um dia minha camisa foi branca, após aquela surra adquiriu a coloração vinho. Eu fiquei tão machucado que as paredes de minha garganta secaram totalmente. E mal consegui respirar porque meu nariz e minhas papilas degustativas expeliam um líquido com gosto metálico, que deduzi ser sangue. 

— Eu vou deixar tu descansar porque preciso trampar. Amanhã, a conversa será só entre nós. — franzi o cenho, incrédulo pela presença silenciosa de Tierre durante todo aquele tempo. Ele sofria, provavelmente de algum transtorno mental ou trauma de infância. No entanto, nada justificava seus crimes e sua tendência psicopata. Afinal, ninguém consegue comandar uma organização criminosa se não for no mínimo inteligente para manipular as pessoas e capaz de matá-las. E seus passos rangendo pela escadaria, me fizeram deduzir que fiquei sozinho naquele inferno.

Eu me amaldiçoei por ter abaixado minha guarda justo na semana que terminei meu relacionamento. É óbvio que fui um alvo fácil, contando cegamente que meu ex-namorado continuaria me protegendo. Se ele entrasse no sistema de rastreamento do meu carro, ele pensaria que fui ver alguém no morro, não que eu corria perigo. E se eu tivesse contado toda a verdade a ele, Tierre nunca teria colocado suas mãos imundas em mim. Lucas me alertou tanto sobre o crime organizado, a favela e seus moradores, que esqueceu justo do mais essencial: Tierre. Quando ouvi aquele nome pela primeira vez, imaginei um homem na faixa dos quarenta anos, pois aprendi com meu pai que a hierarquia das facções funcionava igual uma empresa. Quanto mais tempo, esforço e experiência, mais apto alguém fica para assumir um cargo de liderança. Confesso que não esperava encontrar um chefe do tráfico com o olhar dissimulado, o sorriso transparecendo os caninos afiados e, de cabelo descolorido... Como eu pude flertar com ele? Só estando bêbado mesmo!

O fato dele ser meu tipo, não me fazia esquecer que continuava sendo um criminoso asqueroso do caralho. Ele teve a capacidade de me sequestrar e a frieza de assistir Bahia me esmurrar durante minutos. Se sua mente maquiavélica aguardava uma enchente de lágrimas ou uma súplica, ele não receberia nada de mim. Eu namorei Cadu tempo o suficiente para saber lidar com seres vis. Se eu demonstrasse qualquer abalo emocional, Tierre se divertiria com minha humilhação. E eu preferia a morte a ser seu palhaço.

THIS IS BRAZIL • ULTIMOS CAPITULOSOnde histórias criam vida. Descubra agora