• Em rio com piranha, jacaré nada de costas •

27K 2.1K 6.4K
                                    

Arte: de

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

Arte: de.saturno

"Não devemos mostrar a nossa cólera ou o nosso ódio senão por meio de atos. Os animais de sangue frio são os únicos que têm veneno."
Arthur Schopenhauer

1.4
Thiago M.

A primeira vez que vi meu pai bater em minha mãe foi aos seis anos. Não compreendi porque ele deu um tapa na cara dela, forte o suficiente para ecoar pelo barraco todo, se a "amava". O relacionamento deles se baseava em coerção, violência e submissão. E naquela noite, comecei a chorar junto com ela e me agarrei a seu corpo esguio, recebendo inúmeras carícias nos cachos do meu cabelo. Ela foi a única mulher que recebeu todo o meu amor, e seu mal-estar me atingiu igualmente.

- Está tudo bem meu amor... - ela murmurou como se eu tivesse apanhado em seu lugar. - Tudo vai ficar bem... - deslizou a ponta dos dedos por minha raiz, fazendo-me apertá-la com mais força. Suas lágrimas se misturavam ao sangue advindo do nariz, manchando seu rosto quase simétrico. Seus cachos caiam pelos quadris e o volume, os assemelhava a juba de um leão. A pele escura escondia os hematomas, mas as íris castanhas demonstravam seu tormento constante. Ela era uma preta bonita, digna daquelas menções nas músicas, uma verdadeira deusa africana. Na moral, não digo isso por ter seu DNA, não. Era linda para um caralho. Principalmente, quando sorria e os dentes iluminavam todo o seu semblante.

Nenhum homem quer ver quem o colocou no mundo, sofrer. Se ela estivesse comigo até hoje, seria capaz de me fazer largar o tráfico. Eu nem me importaria em ser CLT, tá ligado? Acordar cedo, trampar de pedreiro, vendedor, os caralho a quatro. Quem gosta de ter bufunfa na mão, igual eu, não pode ter medo de trampar. Segundo Deus, o trabalho edifica o homem. E o dinheiro pode até não comprar a "felicidade", mas compra tudo o que nós queremos. E o que eu quero? Maconha, comida, ouro, peitas novas do Mengão... Coisas que me deixam feliz pra porra! E eu faria de tudo para compartilhar isso com minha rainha.

Um dia, seu sorriso desapareceu. Da mesma forma que ela.

Confuso, fui parar no meio dos moradores reunidos na pequena paróquia, buscando por um vislumbre seu. Eu nunca quis deixar o calor de seus braços e seu cheiro de laranja Bahia. O corpo que estava sendo velado naquela igreja, tinha o mesmo tom ébano que o seu. E ao me aproximar do caixão, uma parte de mim morreu também. As pálpebras fechadas e as mãos sobre o peito, deixavam claro que de alguma forma sua alma encontrou paz. As pessoas boas são as primeiras que Deus leva. E eu fiquei muito puto por ele ter levado minha mãe antes da hora. Não herdei seu tom de pele, seu zelo, sua paciência, nem a capacidade de suportar desaforo calado. Cresci ficando cada vez mais parecido com o desgraçado do meu pai, seu sangue ruim efervescendo em minhas veias assim que a raiva me consumia.

Ele a matou. E depois, fugiu para o quinto dos infernos. Eu nunca o perdoei porque para mim, ele virou um cadáver.

Seria trágico, se minha avó e Jacaré não tivessem me criado. A velha me dizia que sua filha não escolheu passar por aquilo. Porra! E quem é que escolhe? Minha rainha foi só uma otária que se apaixonou por um filho da puta, que fez o que todos fazem quando querem conquistar uma mulher. Elas são mais sentimentais, e consequentemente, mais burras que nós. Caem fácil no nosso papo furado. É por isso que dizemos o que querem ouvir, não a verdade.

THIS IS BRAZIL • ULTIMOS CAPITULOSOnde histórias criam vida. Descubra agora