• Em terra de cego, quem tem olho é rei •

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Arte por @ de

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Arte por @ de.saturno

"O mundo é cego, e tu vens exatamente dele."
Dante Alighieri

1.8
Daniel

Antes que eu pudesse correr, a porta se abriu, revelando uma figura esguia, vestida com uma camiseta com listras vermelhas e pretas. Imediatamente, eu reconheci as feições de seu rosto e o boné virado para atrás no topo de sua cabeça.

- Dandan? - todos os meus órgãos internos voltaram a funcionar normalmente, enquanto me sentava no sofá e suspirava de alívio.

- Porra! Você me assustou. - desabafei ainda o observando.

O garoto carregava um saco de papel pardo entre os dedos tatuados da mão direita e uma sacola branca na mão esquerda.

- Coé neguinho? Que que tu tá fazendo aqui? - ele disparou adentrando a cozinha.

- E-eu...

- Tierre tá de berço?

- Quê? - pisquei e, então, entendi o que ele quis dizer. - Ah, sim... Ele tá dormindo. E-ele me deixou dormir no sofá essa noite.

- Ae Dandan, tu não sabe a felicidade que tô sentindo de te ver tão preto, achei que o Tierre ia te descer pro ralo quando me pediu pra te arrastar lá pro estoque ontem. - confessou o garoto abrindo um sorriso. A violência fazia parte de seu cotidiano, por isso ele encarava um possível assassinato com tanta naturalidade. Eu temia que conforme amadurecesse, Caixa perdesse sua humanidade. Tierre não perdeu a dele, mas era obrigado a escondê-la diante os outros, para se impor como um "líder". Afinal, ninguém obedece quem é fraco, vulnerável ou ignorante. A maioria de nós, só leva em consideração a opinião de outros homens porque fomos criamos para ser assim. Thiago podia interpretar um papel maquiavélico com exímio, no entanto, no fundo de seu âmago, um resquício de compaixão surgiu por ter crescido sem recebê-la. E eu notei isso quando ele deixou Karen manter a ONG na favela. Ele desejava que as crianças de lá tivessem um futuro diferente do dele.

Então, por que não afastava Caixa D'água do tráfico também?

Me recordei instantaneamente da resposta que Tierre me deu na ONG: "Porque querer não é poder. Ninguém sai do OSC depois que entra. Só morto." Aquilo significava que nenhum deles podia abandonar o crime caso desejasse. Entravam no tráfico como meninos iludidos pelo poder e pela ganância, na intenção de alcançarem algum tipo de prosperidade com o dinheiro. Contudo, se tornavam homens traumatizados e violentos, que carregavam notas manchadas com sangue de outros nos bolsos. Homens amargurados, homens que não choravam, homens desconfigurados, homens que não amavam. A penitência de todos esses homens atormentados, era passar a vida inteira presos a sua facção, até que um dia a morte se tornasse a sua libertação.

- Dandan? - Caixa chamou me olhando fixamente através da divisão de cômodos. - Tu tá suave?

-- É... Eu tô. - respondi saindo do meu transe momentâneo. - Tierre só "trocou uma ideia" comigo. Eu meio que briguei com os meus pais e bebi demais. - fui rápido em prosseguir com uma explicação, omitindo os detalhes que o garoto não precisava saber.

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