Acordo cedo e percebo que meus pais já deixaram tudo preparado para voltarmos ao Brasil. Moramos aqui em Oshu a mais ou menos 5 meses, meus pais vivem se mudando quando dá na telha e isso me deixa um tanto quanto chateada.
Não sou uma adolescente normal como todas as outras, não consigo fixar amizades porque sempre me mudo e também porque meu pai é um homem rígido, como um japonês tradicional realmente é.
Por isso me esforço muito no colégio e tento ao máximo evitar problemas, pois sei que serei castigada por isso. Fico deitada relembrando de algumas coisas nesses últimos 5 meses e percebo que realmente não aproveitei nada!
Acordo desses pensamentos com minha mãe me dando bom dia, ela se acostumou tanto com o Japão que até fala algumas coisas na língua.
- Ohayō watashi no musume - "bom dia minha filha"
- Ohayō - "bom dia"
- Ok, só sei falar isso em japonês - ela disse e riu - Como você está? Dormiu bem?
- Estou bem e dormi muito bem. Sério que já temos que ir? - perguntei com preguiça de levantar da cama confortável.
- Sim querida, e levante-se logo. Seu pai já está nos esperando e nosso voo é daqui uma hora.
Ela saiu do quarto me deixando sozinha, levantei e fui direto pro banheiro tomar um banho relaxante e enquanto massageava meu coro cabeludo com o shampoo, pensava como seria no Brasil. Será que dessa vez ficaríamos? Será que conseguiria amigos?
Terminei o banho e fui logo tomar meu café, meu pai como sempre estava com o jornal na mão lendo as principais notícias do mundo e com a expressão de indignação em seu rosto.
- Bom dia pai - disse e não obtive resposta. Tomei meu café observando mamãe terminando de ajeitar a cozinha e meu pai na mesma pose de antes. Logo ele se levanta, leva as malas pro táxi e chegamos até o aeroporto.
Fazemos o check in e logo embarcamos, sentei na poltrona da janela e fiquei ali observando as pessoas entrando, pessoas de diferentes idades, diferentes estilos e diferentes motivos as levava à ir para o Brasil.
Meus pais ficaram em uma poltrona afastada da minha, então logo um rapaz se sentou ao meu lado e seguimos viagem em silêncio. Passei a maior parte lendo alguns livros que tinha baixado em meu tablet enquanto o rapaz se sacudia ouvindo alguma música bastante animada.
Ele parecia feliz, livre e amado por pessoas queridas, coisas que eram perceptíveis,mas que eu não via em mim. Meu brilho e alegria se foram a muito tempo quando começaram essas mudanças loucas, sem tempo de adaptação e nem escolha, fora a morte dos meus avós que eu sequer pude ir no velório me despedir. Meu pai tradicional me batia sempre que eu tirava notas ruins ou sem querer me envolvia em briguinhas bobas, mas sempre porque outra pessoa me provocava.
Um dia cheguei a apanhar uma noite inteira por causa de um 8 que tirei na prova de matemática. Sim, um oito ainda é nota azul, mas para o meu pai eu deveria ser a menina perfeita que só tira 10, assim como todos os outros japoneses. Minha mãe sabia disso, porém sabia também que era a forma que ele fora educado e que fazia parte da vida, por isso não se impunha.
Mas isso me magoava de certa forma, eu não tinha uma família, tinha apenas um pai que trabalhava muito, que era grosseiro e me batia na maioria das vezes e uma mãe que vivia limpando a casa, não tinha amigos porque não tinha tempo de me adaptar porque logo mudaria e assim cresci solitária, sem ninguém por perto.
Eu era minha melhor amiga, eu era a minha confidente, eu me ouvia lamentar sempre, eu sofria tudo sozinha. Conversava sozinha até, tamanha a solidão! Uma vez tentei fazer amizade em um desses chats de internet, mas papai logo me proibiu e me bateu por isso, disse que eu não devia me envolver com desconhecidos e toda essa informação do mundo globalizado, mas céus, o que eu faria? Eu não podia ficar sozinha para sempre, mas também não podia questioná-lo, apenas obedecê-lo.
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A Menina do Tênis Florido
RomanceSayuri chega a uma nova escola, seus pais mudam sempre e ela nunca consegue manter suas amizades. Alvo de brincadeirinhas de mal gosto e piadinhas sem fundamento ela entra em estado de tristeza profunda se fechando para todos. Renan um garoto difere...