Capítulo 14 - Sayuri

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Eu não sabia que o passado do Renan tinha sido tão ruim assim, não sabia que ele ainda tinha sonhos e que se trancava nesse passado obscuro sem ninguém por perto para ajudá-lo, me senti mal por muitas vezes achar que era outra coisa e não dar importância. Ele precisava de ajuda, de consolo e de forças para se erguer, e no que dependesse de mim eu faria tudo para ajudar e mostrar que ele podia confiar em mim.

Mas agora tinha chego minha vez de contar a parte ruim da minha vida, ele me olhava esperando eu começar e eu esperava as palavras chegarem a minha bocas, respirei fundo algumas vezes e comecei a falar.

- Meu pai nasceu em Hiroshima, no Japão. Ele era o filho de um homem muito importante, tipo um governante ou algo do tipo. Mas o pai dele era um japonês muito tradicional, e com isso foi ensinando ele que as mulheres deveriam ser submissas ou então deveriam sofrer punições. Meu pai nunca questionou essa tal tradição, ele via a mãe dele ser surrada diversas vezes e achava isso perfeitamente normal – soltei o ar – E hoje ele me surra porque acha que eu sou uma qualquer, me surra porque diz que quando tiro nota 9 ou 8 eu estou envergonhando seu nome, seus ensinamentos, me surra porque faz suposições naquela mente doentia dele e ele surra minha mãe por achar que ela o trai. Nós não podemos fazer nada, ele não para e cada vez isso se intensifica mais, ele me bate sem piedade e eu apenas tenho que obedecer, minha mãe não agüenta mais isso e até me pediu desculpas por ter escolhido ele como pai para mim.

Minha garganta se fechava, mas prometi a mim mesma que não choraria por ele, era meu pai, mas me tratava como se eu fosse algum objeto, uma coisa.

- Isso explica as marcas nas costas, ele me bate com um cinturão de couro, isso arde, rasga e faz sangrar, mas a situação é pior aqui dentro – apontei pro meu peito, fazendo uma alusão ao coração – Se ele soubesse que ele já matou meu amor de filha por ele faz tempo talvez mudasse, mas ele nem me percebe, nem percebe minha mãe. Nós sofremos caladas, sozinhas e ele sequer nos dá um pouco de carinho ou pede desculpas, ele se tornou um louco, possessivo por poder e delira pensando mil e uma coisa a respeito de nós. Nos mudamos direto porque ele não quer que eu interaja com ninguém, ele não sabe que namoro, não sabe que eu venho aqui, por isso não te levo pra casa, ele não pode nem sonhar com isso, seria capaz de me matar – Renan me olha estupefato – E em relação aos braços, quando comecei a sofrer na escola por causa daquelas meninas, quando colocaram minha cabeça no vaso sanitário e deram descarga, quando falaram a respeito de mim e do meu jeito de me vestir eu senti uma dor enorme, uma dor dilacerando e senti nojo, nojo de mim mesma. Me cortei diversas vezes tanto por causa delas quanto por causa do meu pai. Por isso uso blusas de frio o tempo todo – disse a ultima frase de olhos fechados, buscando ar para meus pulmões e forças internamente.

Abri os olhos e eu estava deitada junto com Renan, ele fazia carinho em meus cabelos e beijava minha testa.

- Nós vamos dar um jeito nisso – ele repetia isso bem baixo – Nós vamos dar um jeito, eu juro.

Meu corpo foi se acalmando, o sono batia, mas o dia já estava acabando e eu precisava ir para casa, me levantei e peguei minhas coisas, pedi para que ele não fosse comigo por correr o risco de sermos vistos pelo meu pai.

Nos beijamos mais algumas vezes, eu já sentia saudades dele, teria que dar um jeito para nos vermos nas férias porque não agüentaria ficar longe dele, eu tinha necessidade de ter ele sempre por perto.

- Eu te amo – disse

- Eu te amo mais – ele disse e nos beijamos mais uma vez antes de eu partir rumo a minha casa.

Chegando lá ouvia os gritos do meu pai com a minha mãe, ele parecia muito nervoso e minha mãe mal conseguia falar, sabia que ele a tinha surrado e fui para o quarto. Logo ele foi atrás de mim e fez o mesmo que fez com ela, me bateu sem parar, bateu com o cinturão, com o chinelo, com a cinta, jogou alguns objetos do meu quarto em mim e eu fiquei ali caída no chão sem entender o motivo de tanta violência, sem entender o que tinha feito de tão mal à ele. Não tinha forças para me levantar e o que eu mais desejava era ter o Renan ali por perto para me ajudar. Apaguei no chão do meu quarto e acordei por volta da meia noite, meu corpo doía tanto pela surra quanto pelo chão duro, fui levantando devagar e fui para o banho, minha mãe estava me esperando do lado de fora.

- Porque brigaram? – fui direta

- Porque descobri que seu pai me trai, procurei saber o porque disso e ele agiu violentamente como sempre. Sayuri eu não sei mais quanto tempo vou aguentar apanhar por ele achar algumas coisas ao meu respeito, mas saiba que eu te amo e que eu nunca quis que isso acontecesse com você – a olhei e a abracei, sentia a dor dela também.

- Aonde está ele? – perguntei

- Na boate, aonde eu o encontrei com uma penca de mulheres ao seu redor – ela disse e saiu do quarto me deixando ali sem ter como agir.

Peguei o diário e comecei a escrever.

"Querido diário,

Hoje foi o ultimo dia de aula e a tarde foi proveitosa ao lado do Renan. Hoje finamente contei o que eu passava aqui em casa e ele me contou o que tanto o atormentava, fiquei feliz porque finalmente nos tornamos a base um do outro e eu quero muito ajudá-lo.

Apanhei de novo, e minha mãe também, a coitada descobriu que meu pai sempre a traiu e que nunca a amou verdadeiramente, sinto muita dó da minha mãe e o que eu mais queria era sair daqui com ela e com o Renan junto comigo. Eu tenho a necessidade de cuidar e proteger eles desse louco que meu pai se tornou, nem sei mais se posso chamá-lo de pai, porque ele simplesmente morreu dentro de mim, morreu para sempre!

Boa noite diário."

Peguei o celular e mandei uma mensagem para o Renan com a simples frase "Aconteceu de novo", ele entenderia. Desliguei o celular e fui até o quarto da minha mãe. Ela estava deitada chorando, me deitei com ela e a abracei, fiquei ali ouvindo seu choro baixinho até que adormecemos juntas.

A Menina do Tênis FloridoOnde histórias criam vida. Descubra agora