14/02/2018, 11:47
Colégio Inácio Hernandez
Sala 302
No primeiro dia de aula acontece um fenômeno nas minhas classes que costumo chamar de Amor antes da Raiva. No instante em que me apresento a uma nova turma todos parecem me adorar, a conversa flui naturalmente e tento deixar todos muito confortáveis comigo na sala. Faço questão de fazer brincadeiras e de deixar o clima bem leve, geralmente o resultado é uma primeira impressão boa e a turma bem receptiva a mim.
Mas é só a primeira impressão mesmo.
Na aula seguinte tudo muda. Nenhum deles está preparado para o que vem a seguir. Uma prova surpresa os aguarda assim que entram na sala, posso ver os sorrisos se transformarem em desespero e logo depois em raiva, pela traição do professor gente boa. E é aí que o Amor antes da Raiva acaba.
Alguns me olham apreensivos com a prova a sua frente, já outros parecem furiosos por serem pegos de surpresa com uma prova logo na primeira semana de aula. Mas esse é quase um rito de início de ano, uma prova surpresa para testar o conhecimento de meus novos alunos e estabelecer que quem manda aqui, e é claro me deixar feliz com um pouco de desespero deles.
Sei que é um pouco sádico, mas é a verdade.
O tempo passa voando e o sinal do fim da aula faz com que as cabeças se levantem em minha direção, recolho as provas mesmo sob protestos de que precisam de mais tempo para resolver os problemas complexos que preparei para esse ano. Confesso que posso ter pegado pesado demais com ele, mas eu preciso manter a minha reputação de professor durão e deixá-los cientes de como as coisas funcionam durante as minhas aulas, depois disso nenhum deles vai testar os meus limites.
A barulheira costumeira da hora da saída vem acompanhada de resmungos irritados na minha direção que só me fazem sorrir mais. Só quando a sala fica completamente silenciosa que resolvo recolher minhas coisas e sair para o almoço. Minhas próximas aulas só acontecem à tarde e isso me dá tempo suficiente para fazer o que quiser.
Há algum tempo eu teria escolhido ir até à empresa da Helena e levá-la para almoçar, ela falaria sem parar sobre algum medicamento super inovador que está produzindo e eu sobre o quanto meus alunos me deixam louco. Mas isso agora parece uma vida distante, as discordâncias e visões diferentes de mundo tem nos levado as brigas, que por sua vez nos afastam dia após dia. Por isso prefiro ir para casa e almoçar com meus dois filhos antes que eles se transformem em adolescentes rebeldes e não queriam mais saber de mim.
— Você por aqui, vovô? — Pablo me surpreende assim que entro na sala dos professores. Sua voz grossa e tom alto me fazem sobressaltar com o susto. Por sorte o local está vazio e ninguém, além do idiota, presenciou o pulo estranho seguido de um grito esganiçado que dei.
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Desastres em Comum
Roman d'amourA verdade é que todos nessa vida procuram o seu próprio final feliz, seja ele ter o emprego dos sonhos, a casa perfeita, uma família grande ou qualquer outra coisa que nos traga a felicidade. Para Ravi e Cadu essas metas já foram alcançadas, os dois...