8 ANOS DEPOIS
A brisa do parque sopra meus cabelos, que tenho deixado crescer até a altura dos ombros, com certa delicadeza que me deixa relaxado. Estou sentado no banco de madeira, apenas lendo um livro que há muito tempo planejava ler enquanto os garotos passam em disparada por mim. Os dois estão sobre seus skates novos sendo puxados por Hulk e Ravena, os dois labradores que adoramos no último verão. A velocidade é tanta que, mesmo que Cadu se esforce para acompanhá-los em sua bicicleta, os dois parecem sempre estar muitos metros à sua frente.
— Mais devagar, garotos. Vocês podem cair. — Ele grita preocupado enquanto nossos filhos ignoram seu desespero. Eu não consigo conter um sorriso ao vê-lo esbaforido atrás deles.
— Garotos são tão bobos. — Milena resmunga ainda com os olhos voltados para a tela do celular.
— Ei, eu também sou um garoto. — rebato.
— Mas o senhor é diferente, pai. — Ela retruca impaciente. A pré-adolescência chegou antes do que esperava e aquela menina doce e gentil agora tem dado lugar a uma personalidade rabugenta típica dessa idade.
Acho que não me preparei o suficiente para ter filhos adolescentes.
Ao mesmo tempo, vê-los crescendo tão forte e independentes me faz perceber que temos feito muito bem nosso trabalho como pais. E eu não poderia estar mais orgulhoso dos filhos que a vida me deu.
— Eu desisto. — Cadu diz ao se sentar do meu lado, sua respiração está ofegante e a língua para fora.
— Não aguentou o pique das crianças, velhinho. — Eu cocei.
— A idade está chegando, meu amor, eles têm muita energia. Não dá para acompanhar. — Ele disse, ainda tentando recuperar o fôlego.
— Espero que você ainda possa me acompanhar, porque mais tarde teremos uma maratona. — Sussurrei no seu ouvido.
— Para isso, eu tenho todo o fôlego do mundo. — Ele disse sorrindo. — Helena deve chegar mais tarde para pegar as crianças, teremos a casa só pra nós dois.
— Você já avisou pra eles? — perguntei.
— Não, achei melhor aguardar sua chegada, não quero gerar expectativas neles, sabe como sempre surgem imprevistos com Helena.
— Melhor mesmo, não sei se eles acreditaram que ela perdeu mais um voo. — Eu respondi, provocando, pois sabia que ele sempre arrumava um jeito de defendê-la.
Helena tinha mudado muito pelo que Cadu me contava do tempo que eram um casal, mas ainda assim o trabalho consumia tempo demais de sua vida. Por diversas vezes, urgências em sua empresa a impediam de voltar para casa e ficar com as crianças. É claro que essa ausência chateava as crianças, mas nós sempre tentamos contornar e explicar para os meninos que a mãe deles faz trabalho muito importante, por isso é tão ocupada.
Em todo caso, quando ela realmente consegue fugir de sua rotina, ela os trata com tanto amor que é difícil que eles tenham qualquer mágoa. Até Henry, que não tem parentesco nenhum com a mulher, é tratado como parte da família por ela. No fim, nós temos uma relação boa e vivemos em harmonia.
Ou ao menos na mais perto de harmonia que podemos.
— Olha o que acabei de receber. — Ele diz, me mostrando a tela de seu celular uma foto. Na imagem, Pablo sorri abraçado com Eron, seu namorado grego de olhos azuis brilhantes.
— Esses dois sabem como curtir a vida. — eu comento, já que na foto os homens estão em frente a uma praia paradisíaca da Tailândia.
Pablo conheceu seu amor durante uma viagem para a Europa, os dois se apaixonaram instantaneamente e não se desgrudaram mais. Se antes não podíamos imaginar que alguém, como um espírito livre que ele tinha, fosse se amarrar em alguém, hoje não conseguimos pensar nos dois separados. Eles passam a vida em viagens pelo mundo, registrando tudo em vídeos para as redes sociais.
Cadu morre de saudades do melhor amigo, mas não para negar o quanto ele está feliz por Pablo ter finalmente encontrado a felicidade. E ele, mesmo distante, faz questão de sempre nos enviar fotos e vídeos de suas viagens.
— Acho que você já pode consultá-lo para o seu novo projeto, tenho certeza de que, a essa altura, ele já é um especialista em cultura asiática. — Cadu disse, fazendo referência ao novo livro que estou escrevendo, que terá ambientação no continente asiático. — Tenho certeza de que será melhor que o homem que não fala nenhuma palavra do nosso idioma, que Mari arrumou.
— Com toda certeza. — respondi sorrindo.
A verdade é que, depois do sucesso da minha primeira série de livros, minha carreira de escritor decolou e cada vez mais novas oportunidades surgiram para mim. Nesses anos escrevi novos livros que também foram sucesso de vendas. Tudo isso com a ajuda de Mari, que continua sendo minha agente depois de tanto tempo.
Minha amiga também encontrou a felicidade ao lado do seu namorado, que há algum tempo se tornou marido, em uma cerimônia luxuosa como só ela poderia organizar. E apesar de querer se tornar uma esposa troféu, como ela mesmo insiste em dizer, não permito que ela me abandone. Então, continuamos juntos nessa jornada.
— Sabe, depois de todos esses anos, parece que tudo está alinhado, não é? Eu não consigo deixar de imaginar que algo ruim possa acontecer, talvez seja um trauma do passado. — Cadu diz, pensativo.
— Não vai acontecer, meu amor. — eu disse, segurando firme em sua mão. — Mas se acontecer, eu vou estar aqui bem ao seu lado, vamos enfrentar qualquer coisa juntos.
— Você tem razão. — ele disse. — Não tem desastre que não possamos superar.
— Eu te amo. — eu disse.
— Eu te amo. — ele respondeu.
FIM
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Desastres em Comum
RomanceA verdade é que todos nessa vida procuram o seu próprio final feliz, seja ele ter o emprego dos sonhos, a casa perfeita, uma família grande ou qualquer outra coisa que nos traga a felicidade. Para Ravi e Cadu essas metas já foram alcançadas, os dois...