Capítulo 16

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O olhar de Rosalind era frio ao mesmo tempo que fervia ao analisar a garota de cima a baixo, parando os olhos em pontos específicos que lhe chamavam a atenção. A rosada cicatriz irregular e em formato de garras pouco acima do joelho, a bandagem ao redor de seu braço, os cabelos enrolados e ruivos caindo até depois de seus quadris, a adaga presa em amarras de couro em sua cintura e perna. Tudo naquela estranha era peculiar, como se houvesse saído direto de um livro distópico de fantasia e guerra. Os olhos de corsa eram afiados, mas ao mesmo tempo tão doces ao abrir um reluzente sorriso que Rose por um instante se sentiu mal por cogitar puxar o cabelo dela para ver se era real ou apenas uma peruca muito muito longa.

— Ah! Oi! — A garota sorriu, virando-se para Rose e pegando sua mão antes que a celi pudesse pensar em erguer. — Você deve ser a Maria, certo?

Rose tentou não se sentir indignada, principalmente porque era impossível que se sentisse ofendida ao ser confundida com a alta e esbelta amiga, mas a pontada de indignação estava lá, roçando duas garras por detrás da máscara de irrelevância que ela usava, não estava acostumada a ser confundida, principalmente em um mundo em que todos pareciam a conhecer, ainda que apenas por boatos.

— Rosalind, prazer. — Ela disse, sorrindo ao mesmo tempo doce e cínica. — Quem é você?

Daniel encarava a garota com confusão; a sobrancelha esquerda estava tão arqueada que sumiria na linha de seus cabelos a qualquer momento. A estranha já havia se afastado, mas o perfume de anis estrelado e mel permanecera ao seu redor, roçando-lhe as paredes de seu pulmão e lhe trazendo uma estranha e nada bem vinda sensação de familiaridade.

— Eu te conheço? — Ele perguntou, dando um passo para trás e colocando uma das mãos na cintura de Rose, não só porque tinha a sensação de que ela pularia sobre a desconhecida a qualquer momento, mas também porque precisava de algo realmente familiar e acalentador, como o calor do pequeno corpo de sua namorada.

A estranha fez uma careta, como se a pergunta dele houvesse dado o mesmo resultado de uma facada em seu peito.

— Não tenho certeza do que responder. — A garota disse, abrindo um delicado sorriso ao colocar uma das mechas de seu cabelo atrás da orelha. — Meu nome é Mérope. E eu te conheço, mas tenho certeza de que não me conhece.

Daniel estava mais tenso do que havia estado em muito tempo. Olhava com desconfiança para a desconhecida, Mérope, ao mesmo tempo que começava a perceber que a estranha sensação borbulhante em seu âmago era seu poder enrolando e desenrolando, como se luz e trevas dançassem.

— Você me conhece? — Ele perguntou bruscamente, analisando a garota com um misto de escuridão assassina e luz curiosa.

— Não pessoalmente, claro. Mas já ouvi muito sobre você. — Mérope sorriu, dando um passo para dentro da casa e tocando o braço de Daniel. — Sua mãe me enviou.

A necessidade biológica por oxigênio vez ou outra é incapaz de ser mais forte do que algum choque sofrido pelo corpo que nutre. Impactos, sejam físicos, emocionais ou psicológicos, por vezes são capazes de arrancar cada molécula de oxigênio ou carbono dos pulmões, restando uma sensação de vácuo e um desesperador instinto de sobrevivência. Respire, respire, respire. A natureza clama para que se recupere enquanto o corpo e a mente lutam contra o choque, absorvem o choque.

Daniel, por um breve e infinito instante, sentiu cada molécula de ar de seus pulmões ser sugado para longe de seu ser. Não existia nada além do zumbido em seus ouvidos e a sombra de uma lembrança da mulher que o havia colocado no mundo. Ele nem mesmo conseguia se lembrar de seu rosto e duvidava que fosse se lembrar algum dia, mas a estranha em sua frente dizia que era enviada por sua mãe, uma estranha familiar que o havia amado e abandonado antes mesmo dele poder conhecer o mundo de forma real e indiscutível.

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