Capítulo 08

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Vale de Mion

Os dias passavam mais lentos do que deveriam. Ao menos essa era a sensação que a garota tinha conforme o sol se arrastava lentamente pelo céu azul celeste do Vale de Mion. Cassie nunca havia se sentido tão irritável quanto estava naqueles últimos dias, presa em uma onda de tristeza raivosa que a havia convencido a se manter afastada de todos os outros. Se ocupava em praticar seus poderes, principalmente sua capacidade de utilizar sua magia na forma bruta através de feitiços e encantamentos, poder geralmente associado apenas aos feiticeiros. Seu único outro passatempo era tentar conversar com Dametra, a Tecelã, última oráculo existente em todo o mundo; não havia obtido muitos resultados, no entanto. Dametra parecia evaporar sempre que a herdeira de Atéli se aproximava.

Os estábulos, lugar onde ela se escondia na maior parte do tempo, fedia horrores, mas era silencioso o suficiente e ela gostava da presença dos cavalos, principalmente de Ártico, seu alazão de pelo branco, o qual havia a cutucado com carinho e tristeza ao olhar para a porta, como se esperasse alguém que sabia que nunca mais veria.

— É. Também sinto saudades. — Disse, acariciando o pelo macio ao mesmo tempo que usava um feitiço de levitação para que a escova voasse para sua mão. — O que acha de darmos uma volta hoje?

Como se compreendesse, Ártico relinchou suavemente e a cutucou com a cabeça, fazendo-a abrir um leve sorriso.

— Está tentando me consolar ou descobrir onde guardei os cubos de açúcar?

Ártico relinchou e Cassie abriu um pequeno sorriso, usando o mesmo feitiço de levitação para atrair a bolsinha que deixara escondida entre os fardos de feno.

— Você está melhorando.

Maria estava na entrada dos estábulos, sorrindo orgulhosa ao seguir, com o olhar, a bolsinha levitar e pousar na mão estendida de Cassie.

— Não é meu melhor feitiço. — Disse Cassie, dando de ombros ao retirar um cubo de açúcar e o dando para Ártico antes de voltar à escovação.

Maria caminhou calmamente até Akira, a égua malhada que levantou a cabeça assim que a ouviu entrar no local e agora relinchava com impaciência.

— Olá, menina. Mantendo tudo seguro por aqui? — Disse, acariciando o focinho longo enquanto ainda mantinha um dos olhos sobre Cassie.

— Você pode perguntar, sabe. Não vou desmoronar nem nada.

Maria sorriu, indo até sua amiga e pegando alguns cubinhos de açúcar para Akira enquanto aproveitava para analisar uma de suas melhores amigas. Olheiras fundas e olhos vagos, sem brilho; a pele estava pálida e os cabelos haviam sido presos em um coque malfeito no lugar de estarem presos em uma de suas caprichosas tranças.

— Tudo bem. Por que está se escondendo aqui? — Maria foi direta ao perguntar, nunca foi uma pessoa que apreciava rodeios e delicadeza excessiva.

Cassie franziu levemente o nariz, virando-se para que Maria não pudesse mais ver seu rosto e continuou escovando os pelos de Ártico, o qual tentava alcançar a bolsinha amarrada na cintura da loira.

— Não estou me escondendo. — Retrucou.

— E eu não escondo comida do Tom. — Maria sorriu dissimulada, cruzando os braços. — Eu te conheço, Cassie, nem adianta fingir. Eu sei que você precisa conversar.

O silêncio se instalou enquanto Cassie olhava para as próprias botas, concentrada na palha presa na sola e na poeira que maculava o material desconhecido criado por Mel. Imaginava se podia continuar olhando para seus pés o dia todo para que Maria não pudesse ver seus olhos, mas o som de risadas ecoou e, instantes depois, elas viram Rose passar correndo em direção ao casebre, gargalhando enquanto fugia de sombras rastejantes e de um Daniel completamente sujo de lama.

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