Capítulo 18

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A vida de qualquer pessoa, seja humana ou não, é marcada pelas conhecidas primeiras vezes. É comum que em rodinhas de amigos surgem indagações e brincadeiras sobre "o primeiro beijo", "o primeiro amor", "o primeiro porre", entre outros assuntos mais indiscretos; o fato é que as primeiras vezes sempre serão marcadas e lembradas através dos anos; seja os primeiros passos de um bebê ou o primeiro "eu te amo" de um casal. Para marcar basta que seja inédito.

Daniel sempre iria se lembrar da primeira vez que segurou um arco. Já estava em Elfee há um ano, resgatado de sua própria torpeza por Maria e Acácia. A senhora, uma guerreira formidável mesmo na idade avançada, insistira que os dois talentosos celis fossem seus pupilos; ela desejava os treinar tanto em batalha quanto no próprio mundo deles, o qual ambos desconheciam. Maria crescera entre os limites mágicos de Elfee, aprendera desde cedo os caminhos que uma ninfa deveria trilhar, ainda que não fosse uma por completo; ela jamais conhecera o mundo humano ou a corrupção que havia se espalhado por ele. Já Daniel crescera em meio a corrupção, cercado por imundices humanas que não sabiam como lidar com o sobrenatural; o menino não conhecia a beleza do mundo o qual verdadeiramente pertencia. Ambos eram ignorantes e leigos, cercados por bolhas que nem imaginavam que existiam.

Em meio ao cansativo treinamento, Acácia insistira que eles deveriam escolher uma arma que se sobressaísse as outras. Maria nem precisou pensar por muito tempo, era decidida desde nova e sabia que seria mais engenhosa com uma adaga do que com uma espada ou uma lança. Já Daniel não se importava em qual arma iria usar, para ele não existia nenhuma que fosse se balancear com seu terrível poder, então decidira que o mais prático seria utilizar uma espada. Previsível, comum e eficaz.

Grande erro.

Seus movimentos eram espaçados demais para uma espada, seu poder funcionava melhor quando a distância se envolvia. Espadas, bem como foices, são símbolos de morte, mas suas sombras não pareciam se ajustar com o objeto. Elas ainda eram letais e ele ainda seria um guerreiro tenebroso, mas simplesmente não parecia certo.

Acácia havia percebido isso antes dele. Um dia, quando o Sol nem mesmo havia despertado, ela o arrancou de sua cama e jogou um arco recém-entalhado em seus braços. Era uma arma bonita, de madeira preta e com a corda perfeitamente tensionada, o punho havia sido moldado unicamente para a mão dele. Daniel odiara.

O jovem Daniel fechou sua cara durante todo o caminho até a arena de treinamento, apenas protestou quando Acácia lhe entregou uma flecha e mandou que o menino indicasse cada parte do arco. Já conhecia a arma, via outros treinando com ela ainda que jamais tivesse tido a mínima vontade de aprender a usar um.

— Como pode dizer que não gosta de algo se jamais experimentou? — Acácia disse, olhando-o com petulância e teimosia.

Naquele momento Daniel havia percebido que apenas poderia retornar para sua cama se fizesse o que sua tutora ordenara. Impaciente e mais sério do que deveria ser um menino no início da adolescência, ele posicionou a flecha e puxou a corda, seus olhos estavam fixos no alvo a meros cinco metros de distância. Ele atirou e se virou para Acácia, olhando-a como se dissesse "pronto, já mostrei como se usa essa arma boba, posso ir embora?". Contudo, como se para desafiar o pequeno herdeiro da morte, Acácia sorria enquanto segurava o riso, o motivo era que a flecha havia caído no chão após percorrer incríveis vinte centímetros.

— Muito bem. Você pode ir para a cama, mas apenas depois que acertar o alvo.

Daniel tentou não sentir raiva da flecha ou dos tapinhas condescendentes que Acácia havia dado em suas costas, mas quando encaixou uma nova flecha percebeu que saber usar aquela maldita arma e acertar no centro daquele maldito alvo havia se tornado questão de honra.

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