NA MESMA NOITE — NO TERRENO DE ABETOS
Entre os tantos trabalhos que Bathsheba impôs-se voluntariamente ao dispensar os serviços de um administrador, estava um em especial de verificar toda a casa antes de ir dormir, para ver se estava tudo em ordem e seguro para passar a noite. Gabriel quase sempre a precedia nesta rotina todas as noites, observando cuidadosamente as preocupações dela como qualquer funcionário escolhido especialmente para a vigilância faria; no entanto, esta devoção carinhosa era desconhecida por sua patroa e, se era conhecida, não era recebida com gratidão. As mulheres nunca estão cansadas de lamentar a inconstância do homem no amor, mas eles só parecem desprezar sua constância.
Como a observação é melhor quando não é notada, ela costumava carregar uma lanterna apagada na mão e, às vezes, a acendia para examinar cantos e fendas com a calma de um policial metropolitano. Tal calma poderia existir nem tanto por causa de sua despreocupação em esperar pelo perigo como pela liberdade de não suspeitar que houvesse. Sua pior descoberta antecipada era que um cavalo não estivesse bem preso, as aves não estivessem todas ali ou uma porta não estivesse trancada.
Naquela noite, as instalações foram verificadas como de costume e ela foi para o recinto onde se guardam os cavalos. Os únicos sons quebrando o silêncio era o de muitas bocas que não paravam de mastigar e a respiração ruidosa de todos os narizes invisíveis, que acabavam em roncos e bufadas parecidos com foles lentos. Então a mastigação recomeçava, quando a imaginação ativa podia acompanhar o olhar para perceber um grupo de narinas rosa-esbranquiçadas que se parecia com cavernas, de superfícies muito pegajosas e úmidas, que não eram exatamente agradáveis ao toque até que se acostumasse com elas; as bocas tentavam fechar-se sob qualquer ponta da roupa de Bathsheba que suas línguas tocassem. Acima de cada uma delas, uma visão ainda mais apurada sugeria uma testa marrom e olhos atentos, porém nada simpáticos, e sobre eles um par de chifres esbranquiçados e curvos como duas luas novas e um "muu" fleumático anunciando pela sombra que aqueles fenômenos eram as silhuetas de Daisy, Whitefoot, Bonny-lass, Jolly-O, Twinkle-eye, etc., as respeitáveis vacas leiteiras da raça Devon que pertenciam a Bathsheba, como já fora mencionado.
Sua volta para casa era por um caminho entre o terreno de abetos afilados, que foram plantados alguns anos antes para abrigar a propriedade do vento norte. Por causa da densidade da folhagem interligada na parte de cima, era um local escuro ao meio-dia, sombrio ao entardecer, escuro como a meia-noite ao escurecer e negro como a nona praga do Egito à meia-noite. Descrever o local era chamá-lo de um corredor vasto e formado naturalmente, cujo teto, que era sustentado por pilares finos de madeira viva, parecia feito de plumas. O solo era coberto por um carpete macio e castanho de folhas mortas, em formato de agulhas, e pinhas emboloradas com moitas de grama aqui e ali.
Essa parte do caminho era a mais delicada da ronda noturna, porém, antes de começar, a sensação de perigo não estava vívida o bastante de modo que a levasse a pedir a alguém para acompanhá-la. Passando tão imperceptivelmente quanto o tempo, Bathsheba imaginou ter ouvido passos vindos pelo lado oposto do caminho. Sem dúvida, era o som de passos. Naquele instante, seus próprios passos pareciam macios como flocos de neve. Ela se assegurou novamente relembrando que era um caminho público e, que quem estivesse passando por lá, seria um morador de volta para casa. Apenas lamentava que o encontro ocorresse no ponto mais escuro, embora estivesse na porta da própria casa.
O barulho se aproximou, chegou bem perto e uma silhueta estava prestes a passar por ela quando algo puxou sua saia e a prendeu ao chão. A parada repentina e brusca quase fez Bathsheba perder o equilíbrio. Ao se recuperar, colidiu com roupas quentes e botões.
"Meu Deus, que encontro mais estranho!", disse uma voz masculina, uns dois pés acima da cabeça dela. "Eu o machuquei, companheiro?"
"Não", respondeu Bathsheba, tentando escapar.