Parte 5

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Por um momento, enquanto estava sentado no meu escritório encarando o lado de fora através da janela, as pessoas indo e vindo, correndo de um lado para o outro, me peguei pensando em como saias são, ao mesmo tempo, libertadoras e incômodas.

Vejam bem: eu sou... era... sou... um homem. Homens, quando se sentam e para se sentirem mais confortáveis, abrem as pernas. Nada é pior que se sentar e sentir as bolas sendo pressionadas. Agora, sendo uma... mulher... e passando a maior parte do tempo usando uma saia, eu me sinto completamente desconfortável e invadido. Preciso me policiar o tempo todo para não mostrar o que visto por baixo, o que são sempre cuecas. Se tem algo que me recusarei eternamente a usar são calcinhas. Além de ter, regularmente, homens encarando minhas pernas.

Eu não consigo me abaixar para calçar os meus sapatos sem que minha bunda fique à mostra. Também não consigo erguer a perna para realizar a mesma tarefa sem que a saia suba e mostre minhas partes íntimas. Sinto que sempre tem alguém olhando dentro da minha roupa quando vou subir escadas e tenho a sensação recorrente de que estou pelado, pois o vento... aquele maldito vento.

Mas, segundo Emily, é tudo questão de costume. "Com o tempo você se acostuma e até gosta. Nada pior que uma calça nos pressionando o dia todo. Além de calças fazerem mal para a nossa saúde íntima". Eu sequer questionei a última parte. É cedo demais para pensar em doenças femininas.

Aquele, como todos os outros, era um dia cheio de trabalho. Não vi Miranda um segundo sequer. Com certeza ela estava mais ocupada que todos nós com o encerramento daquela edição e não sairia do seu escritório tão cedo, a não ser para gritar ordens. E eu estava certo. Ela veio gritar suas ordens para mim.

— O que você pensa que significa isso? — Ela tinha alguns papéis nas mãos e, provavelmente, era o meu último artigo. Minhas sobrancelhas se curvaram em questionamento, pois não fazia ideia ao que exatamente ela se referia. — Vou ser mais especifica já que você parece não entender nosso idioma: você acha mesmo que essa porcaria vai para a edição?

Respirei fundo e fechei os olhos por um segundo, empurrando a cadeira com as mãos apoiadas na mesa e me levantando. Dei a volta na mesa em silêncio até parar diante dela ainda sem saber exatamente o que ela queria de mim.

— Se você não for mais clara, Miranda, é impossível eu entender o que você precisa que eu mude.

— Que tal começar pelo primeiro parágrafo onde você pensa que é algum tipo de crítico da moda e repudia avidamente todos os vestidos usados na premiação mais importante do cinema? — Ela para por um segundo e seus lábios formam uma linha fina e trêmula, deixando muito evidente a sua irritabilidade. — Ou quando insinua que os estilistas dessas premiações são uma completa desordem? — Ela joga os papéis sobre a mesa com raiva e coloca ambas as mãos na cintura, andando de um lado para o outro. — Eu deixei claro que sempre que fosse escrever qualquer crítica viesse até mim e me consultasse.

— Miranda, eu terminei de escrever isso há meia hora. Você estava trancada em seu escritório e eu não consegui passar nem mesmo da mesa da sua secretária, pois você proibiu a entrada de qualquer um. Além disso, achei melhor escrever e te entregar para que revisasse em vez de tomar todo o seu tempo para checar cada linha à medida que eu escrevesse. 

Eu estava irado. Quase nunca entendia as vontades de Miranda, mas com o tempo me esforcei o suficiente para ao menos ter uma leve noção do que ela de fato queria. Eu a surpreendia na maioria das vezes, mas nunca conseguia sua aprovação quando agia independentemente. Aquilo estava me cansando.

Ela riu ironicamente e ergueu os olhos para a textura da parede, balançando negativamente a cabeça enquanto seus fios brancos e curtos acompanhavam o movimento. Apesar da minha ira, não pude deixar de notar o quanto ela estava bonita. Vista dali, de perfil e com as bochechas vermelhas pela irritabilidade, ela deixava de parecer um tipo de robô insensível e se tornava um pouco mais humana. Nunca a tinha enxergado de verdade. Na realidade, nunca tive a chance de permanecer no mesmo ambiente que ela sem outras pessoas presentes ou sem apenas ouvir suas ordens.

Upside Down | Em revisãoOnde histórias criam vida. Descubra agora