Monster

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3 anos antes•

Todos os olhares pesavam sob mim como se eu fosse uma criminosa, culpada pelo crime de simplesmente existir. Cada um daquela assembléia exibia uma expressão de injúria e nojo, sem nem ao menos tentar disfarçar.
Nosso ancião era mais amigável, ou pelo menos parecia ser. Nos dias de hoje, os mais velhos da raça bruxa não tomavam mais decisões, apenas eram figuras que representavam sabedoria e força, celebrados em rituais. Meu avô era um deles, o mais gentil e acolhedor de todos, até o câncer o levar do nosso plano.
Eu jamais seria celebrada se chegasse tão longe, mesmo que fosse uma das bruxas imortais pela genética superior, assim como meus primos e outros membros de clãs ali presentes.
Uma cadeira vazia ao meu lado me fazia engolir seco. Meu irmão não estava mais entre nós faziam poucos meses e ele sempre me fazia sentir melhor em reuniões como essa. Era a primeira que ele não estava presente desde que tiraram sua vida há dois meses.

- Senhorita Meyer, você está escutando? - Cristal, a líder do clã Amaterasu disse um pouco mais alto que o normal.

- Eu não preciso - levantei-me para ficar na mesma altura da mulher de salto púrpura - vocês sempre trazem a mesma questão de me expulsar da assembléia, está repetitivo e entediante.

Os olhos âmbar me desprezaram de cima a baixo como algo putrefato.

- Se não fosse tão arrogante, talvez pensássemos em te deixar sob nossa proteção.

- Se não fossem tão intolerantes, eu deixaria vocês sob a minha. - o sorriso cínico em seus lábios desapareceu - Minha família é pequena, porém prudente e bem liderada, estamos com grandes expectativas para a próxima geração que estará ainda mais forte.

- Nergo e Braco realmente irão gerar bruxos impecáveis, mas não posso dizer o mesmo da senhorita.

- Não se preocupe com meus filhos, não serão feitos com nenhum bruxo de seu clã, então virão perfeitos.

Pude ouvir seus dedos estalarem com a força que fechou o punho, o que me fez abrir um pequeno sorriso. Uma mão encostou suavemente em minhas costas e tirou aquele calor familiar que crescia dentro de mim.

- Se nos derem licença, acho que esta assembléia já acabou, então vamos retornar para casa. - Nergo pessou o olhar em minhas mãos que reluziam pequenas fagulhas.

Nos retiramos do grande palácio enquanto um arrepio percorria minha espinha. Meus primos se mantinham em silêncio e eu sinceramente não sabia até onde concordavam comigo.
Me deixaram em meu apartamento sem uma única verbalização e eu não fiz questão nem de me despedir, apenas entrar e jogar longe os sapatos que apertavam meus pés e encher meu estômago que roncava.
Direcionei-me para a cozinha e fritei alguns ovos com queijo para colocar no pão que havia comprado pela manhã. Ao me sentar no sofá, finalmente notei a figura parada em um dos cantos da sala.

- Sua percepção está horrível.

- Boa noite, tio Slenderman. Estou bem sim, obrigada por perguntar! Como vai Blader? - ironizei com uma sobrancelha arqueada.

- Com saudades, eu imagino.

- Se não entupisse a garota de treinos e missões, ela conseguiria vir aqui passar um tempo comigo.

- Se retornasse para a mansão, vocês se veriam todos os dias.

Encarei a face vazia sem emoção alguma enquanto abocanhava minha janta improvisada. Pelo menos uma vez na semana ele vinha aqui fazer essa chantagem para que eu volte a ser sua proxy.

- Se não se importa, eu preciso muito descansar para trabalhar amanhã cedo, esse lugar não se mantém assassinando pessoas. - falei ao terminar de comer - E sim, antes que pergunte mais uma vez: eu quero essa vida, estudei pra isso e amo o que faço, quero continuar sendo uma pessoa normal mesmo que tenha que me mudar de tempos em tempos por conta da imortalidade.

Enquanto colocava a louça na pia, a criatura desapareceu do local. Resolvi tomar um longo banho e me aconchegar nas cobertas antes que outro maluco aparecesse na minha casa.

O dia estava escuro pelo clima chuvoso e eu xinguei mentalmente ter que trabalhar em um local enlameado. Levantei antes que mudasse de ideia e enchi o estômago de pão, cereais e mais algumas coisas que me dessem sustância para o longo dia. Me vesti com galochas, jeans folgado, uma blusa clara e um cardigan preto. Pus meu jaleco na bolsa e tranquei a porta ao sair.
Dirigi até o haras que ficava do outro lado da cidade com tranquilidade, visto que sempre saía mais cedo que o previsto com medo do trânsito.
Já havia parado de chover quando estacionei a caminhonete e fui recebida por um potro feliz e energético.

- Em uma semana você já cresceu tanto, como pode algo assim? - eu ria enquanto o acariciava na crina.

Levei-o para a baia onde ficava sua mãe e torci para que a mesma não me mordesse por estar perto de seu filhote, mas a mesma não pareceu ligar quando abri o portão e o coloquei para dentro.
Ouvi passos e logo o proprietário do local apareceu com um grande sorriso.

- Doutora Meyer, bom dia! - Connor sempre tinha uma energia matinal invejável.

- Muito bom dia! Temos algum caso ruim para hoje?

- Todos estão bem graças a senhorita, apenas um checkup nos pequenos e está dispensada após o pagamento.

Quase me esqueci que era fim de mês. Esbocei um pequeno sorriso ao saber que iria ter a tarde toda de folga.
Os potros estavam excelentes para quem nasceu em um inverno. Um ou outro parecia um pouco resfriado, mas receitei algumas vitaminas para os mesmos ficarem com a imunidade mais alta.

Resolvi parar em uma cafeteria maravilhosa e tomar um chocolate quente e comer algumas coisas que sentia falta. Abri o tablet para arrumar algumas fichas médicas e pretendia passar certo tempo ali, já que ficar em casa estava um pouco sufocante.
Uma energia que eu tentei ignorar começou a se aproximar de mim. Eu não imaginava que seria perturbada dois dias seguidos, mas parece que sim.

- Está esperando alguém?

- Não. - respondi secamente.

- Posso me sentar aqui?

- Não. - eu permanecia avaliando os relatórios.

Ele poderia não ter perguntado e apenas sentado, já que foi exatamente isso que ele fez.

- Como você está?

- Timothy, você não se importa - finalmente encarei seus olhos - pare de fazer cerimônia e diga logo o que quer.

- Acha que eu vim aqui te chantagear pra voltar pra mansão? - ele sorria com os olhos.

- Vai me dizer que Brian está com saudade? - ele permaneceu sério - Há muitas mulheres naquela mansão, ele não precisa remoer algo de anos atrás.

- Nenhuma delas é a "bruxinha" dele. - Tim sorriu levemente e senti que ele não estava zombando.

- Nenhuma delas vai tentar queimar ele vivo em descontrole. - ele arqueou uma sobrancelha - Tudo bem, talvez algumas.

- Não vou te perturbar com isso, não foi esse o motivo da minha vinda.

- E qual seria? - dei um gole no chocolate quente.

- Zalgo está rodeando a mansão, fique de olho nos arredores, nunca se sabe quem ele está querendo.

- De novo? Da última vez era a Blader, não tem mais ninguém lá que o interesse.

- Eu sei, por isso vim avisar.

- Onde está aquele Timothy que me queria morta? - sorri cinicamente.

Ele pesou o olhar de sarcasmo enquanto se levantava. Tentei sentir se algo vinha dele, mas apenas sua energia era captada.
Queria muito dizer que Zalgo e seus capangas não seriam problema, mas eu estava fora de forma e enfraquecida.

Ótimo, a vida estava muito monótona mesmo.

Ery | Slender's ProxyOnde histórias criam vida. Descubra agora