Teu corpo com amor ou não
Raspas e restos me interessam
Me ame como a um irmão
Mentiras sinceras me interessam
Me interessam
(Maior Abandonado — Barão Vermelho)
Max
— Baterista, para onde você viajou? — A pergunta de Bethany me arrasta de volta da conversa que tive com Hazel no alto dos seus 14 anos.
— Perdão. Me perdi em lembranças por um instante. O que deu errado? Como você deixou o sonho de uma vida no campo e parou dentro do pesadelo de seriado adolescente de maior sucesso da televisão? — Tento focar a atenção novamente na garota, mesmo com a dor no peito sentida naquele dia tendo se reacendido em mim com força.
— Os sonhos que a minha mãe tinha para mim não estavam de acordo com os meus. Ela engravidou muito jovem, teve que se casar com o meu pai por imposição da família e, por mais que se dessem bem, nunca quis aquela vida. Acabou projetando no meu futuro os seus desejos de aventura, paixão e estrelato. Me carregava para todos os concursos de miss mirim e shows de talentos que conseguia. E, para o meu azar, eu levava jeito. Ganhei a maioria. Ela ficava tão, mas tão feliz com aquilo, que eu simplesmente não conseguia dizer a ela que não queria. Me matriculou em aulas de teatro, que eu até gostava, mas como brincadeira, não como profissão. Quando eu tinha 17 anos, me inscreveu num teste para TV. E, desde lá, aqui estou eu.
— Você está nisso desde os 17?
— Sim, dez longas temporadas. A 11.ª foi renovada. Passaremos Friends.
— Caraca! Como você...
— Como aguento me manter há tanto tempo dentro de um seriadinho infanto-juvenil clichê e superficial? — Ela me dá o mesmo sorrisinho amarelo que abriu quando lhe fiz aquela crítica disfarçada de elogio ao chegar, e agora já nem tento disfarçar a minha opinião sincera sobre o assunto.
— É. — Só concordo.
— Complicado. — Ela recosta a cabeça no encosto do sofá, bebe um gole daquele suco de laranja que já deve estar para lá de quente, respira fundo e me olha com interesse. Pela primeira vez desde que cheguei aqui, escaneia o meu corpo, e, de repente, me sinto... incomodado. — Digamos que lá para o meio da segunda temporada, já maior de idade, eu estava decidida a jogar a real com a minha mãe e dizer que não aceitaria renovar o contrato para a terceira. Queria voltar para casa. Sentia muita falta da fazenda, do meu pai, dos meus amigos de infância. Mas, como eu disse, parece que isto é tudo que a vida não quer me dar. Três semanas antes da data que escolhi para a tal conversa sincera, meu pai teve um infarto e faleceu. A partir daí, foi uma cascata de problemas. Descobrimos que ele havia feito empréstimos altíssimos para expansão dos negócios, mas os lucros não foram conforme projetados, e as dívidas estavam enormes. Ele devia para bancos e agiotas. Mesmo que vendêssemos tudo que tínhamos, não seria o suficiente para cobrir o rombo. E eu não queria me desfazer da fazenda, seria como desistir dele e da vida que eu sonhava. Enfim, já não era uma questão de escolha. Eu precisava trabalhar, e mais, precisava que desse certo. Então tomei a profissão para mim com seriedade e, desde então, dou o meu melhor.
— E deu certo, você estourou. Deve ter um bom patrimônio. Já poderia ter parado, não?
— Sim, poderia. Mas agora virou uma questão de orgulho. Eu estudei muito. Sou uma ótima atriz. Modéstia à parte, levo o seriado nas costas. Mas até hoje não recebi um convite descente para um trabalho sério. Por isso me mantenho na série, para não cair no esquecimento enquanto espero. Quero fazer algo que coloque o meu nome na história pela grandiosidade da atuação. Devo isso à garota que abriu mão dos seus sonhos.