Como um anjo caído
fiz questão de esquecer
que mentir pra si mesmo
é sempre a pior mentira
(Quase sem querer — Legião Urbana)
Max
— Você não vai entrar? — Hazel me pergunta assustada e com os olhos inchados pelo choro, do banco traseiro do Rolls Royce Phanton preto, antes que eu consiga fechar a porta do carro.
— Não. Vá para casa com Barry. Mais tarde nos vemos lá. — Não espero para ouvir seus protestos ou questionamentos, fecho a porta e me afasto para que o motorista siga viagem.
A verdade nua e crua é que não tenho condições de voltar para casa com ela agora. Preciso andar, pensar, acalmar-me.
Não tenho estrutura emocional para ficar perto de Hazel. Sinto-me um amontoado de raiva, medo, frustração, angústia e, acima de tudo, culpa.
Mesmo eu não tendo praticado exercícios físicos nos últimos dias, cada músculo do meu corpo dói pelo que fiz e pelo que terei que fazer cada vez mais de agora em diante: agir como um pai disciplinador. Impor pudores que nunca tivemos. Quebrar a intensidade da nossa ligação. Limitar a coisa mais linda e profunda que já vivi para preservá-la e para que continue sendo como sempre foi. Pura.
Ando a passos calmos, passos de quem não tem para onde ir ou aonde chegar, ao encontro das margens do Tâmisa. Deixo o vento gelado do final de um dia de primavera em Londres maltratar a pele excessivamente clara do meu rosto, rasgando-me a carne.
Faça.
Por mais que eu tente esquecer, aquela palavra roda na minha cabeça como a porra da London Eye.
Faça.
Ela machuca, quebra-me por dentro. Faz-me ter vontade de gritar a plenos pulmões que não, não pode ser. Eu não ouvi direito. Se ouvi, não entendi.
ELA. NÃO. PEDIU. PELA. MINHA. BOCA.
Porque, se sim, o peso desse pedido seria quase insuportável de carregar. Só existiria um único culpado por confundir a cabeça dela num nível tão fodido: Eu. Eu e a bagunça íntima na qual me encontro. Eu e o descontrole que explodiu naquele aeroporto. Ou seria na festa dela? Não sei dizer. Eu e a mania que adquiri, nem sei como, de admirar e me esquecer do mundo ao olhar a sua boca. Não é pensado, intencional. É espontâneo. Quando vejo, já estou lá, hipnotizado por aquela parte tão... brilhante sua. Eu e o ciúme infantil que me toma quando estou perto dela, que me transforma em um ser irracional e precipitado.
Nossa! E pensar que me peguei criticando Oliver e Bia em inúmeras situações por causa dos seus ciúmes que, por vezes, julguei exagerado. Lian e eu já zoamos tanto Oliver por is...
Não, porra! Maldição! Você não pode se comparar a Oliver, Max Connor! Porque, se comparar-se ao que se passa com aquele casal, significaria que...
Esfrego o rosto para me livrar dos pensamentos inconvenientes. Apoio-me na mureta às margens do rio, em frente ao County Hall, sem forças.
Depois de finalmente enxergar Hazel como uma mulher, e não mais uma criança, e perceber a reação dela ao toque do destaque alegórico, dei-me conta do que significava a tal última chance que me apavorou tanto naquele aeroporto. Entendi o que me fez ficar aterrorizado com a ideia de ser esquecido e pular para dentro de um avião sem pensar.