Capítulo 1

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Estamos no meio da 74ª edição dos Jogos Vorazes e algo nesse "casal desafortunado do Distrito 12" realmente me comoveu. Até então não descobri que coisa é essa, mas estou gostando. E pelo visto os patrocinadores também parecem estar bastante comovidos com a história deles. Isso me faz esquecer um pouco os problemas que sempre enfrento aqui.

Estou sentada no sofá, entre Cinna e Haymitch, todos atentos ao que está acontecendo. As teleguiadas acabaram de atacar alguns tributos, causando a morte de uma garota. A cena é horrível e sou obrigada a por as mãos no rosto, tapando os meus olhos. Ouço uma risada vinda do meu lado direito e tenho total certeza de quem se trata.

– O que foi? - indago, lançando um olhar furioso para Haymitch, que ri ainda mais depois de ver a minha reação.

– Você é muito mole, Effie - e desata a rir novamente. O copo de whisky balança na sua mão, deixando cair um pouco do líquido no chão. Olho para o outro lado e me deparo com Cinna também rindo da situação. Fico boquiaberta, não querendo acreditar que me tornei motivo de piada entre os dois. Bufo e volto a atenção para a TV, cruzando os braços.

Alguns segundos se passam até eles finalmente pararem de rir. Podemos ver Katniss agora, cambaleando em meio a alucinações, pois também foi atacada por algumas teleguiadas. Minha atenção é totalmente voltada para a TV, suplicando para que nada de ruim aconteça a ela. Isso me lembra que nos jogos anteriores, a essa altura, eu já não assistia com tanta vontade, pois os tributos do Distrito 12 já estavam mortos. Dessa vez assisto com uma ponta de esperança que me deixa empolgada, torcendo para que agora dê certo.

Quando a transmissão é interrompida e Caesar começa a debater sobre apostas, aproveitamos para nos dispersar. Haymitch é o primeiro a se retirar para o bar, em busca de bebida. Vou ao banheiro e quando volto, sento-me ao lado de Cinna novamente e ele me fita com expectativa. Franzo o cenho, acreditando que tenha algo de errado em mim.

– O que é? - pergunto, desconfiada. Cinna suspira antes de responder.

– Como você consegue dormir? - ele pergunta e imediatamente entendo o que quer dizer. De uns dias para cá, Haymitch tem tido mais pesadelos do que nunca e os seus gritos só fazem aumentar. Nunca arrisquei tentar acalmá-lo por intermináveis motivos e um deles se chama medo. Haymitch uma vez dissera que dormia com uma faca debaixo do travesseiro e aquilo não era brincadeira. Depois disso comecei a imaginar as diversas formar de ser morta por ele caso eu arriscasse ir até lá, então deixei esta alternativa de lado.

– Simplesmente não consigo, mas tento - respondo, balançando os ombros. Deixo escapar um leve sorriso triste. - É complicado. E você?

– O meu quarto é longe do dele, então geralmente eu durmo sem problemas - ele diz, mudando de posição no sofá para ficar de frente para mim. - Mas o seu é muito próximo e, apesar de tudo, imagino que esteja ficando mais difícil, porque para mim está.

Concordo com a cabeça e suspiro.

– Não sei se posso fazer algo que amenize isso.

Cinna sorri e aproxima o seu rosto do meu.

– Você pode tudo, Effie - ele murmura e pisca para mim. Não consigo segurar o riso e, ao que parece, acabo contagiando-o.

– Perdão atrapalhar o casalzinho feliz - ouço a voz embargada de Haymitch soar atrás de mim e me assusto. Viro-me para vê-lo pousar uma outra garrafa no centro após servir-se de uma dose da bebida e em seguida sentar-se no outro extremo do sofá. Pigarreio e volto a prestar atenção nos jogos enquanto Cinna volta a se encostar no sofá, como estava antes. - Mas eu vou assistir aos jogos porque daqui a pouco temos que falar com alguns patrocinadores - ele finaliza o que diz olhando para mim e levanta o copo como se estivesse acenando. Aceno de volta com a cabeça e voltamos a assistir a programação.

Logo após obtermos mais uma vez sucesso entre os patrocinadores, agora cada vez mais envolvidos com o casal desafortunado, voltamos ao 12º andar do centro de treinamento. Meus calcanhares começam a incomodar por conta dos saltos e a única vontade que tenho agora é de poder tirá-los. E faço-o assim que chegamos. Abaixo-me para pegar os sapatos e começo a andar em direção ao meu quarto.

– Já vai desarmar a árvore de natal? - Haymitch pergunta. Paro e me viro para fitá-lo.

– O que?

– Não entendo vocês, mulheres - ele diz, apontando para mim e para Portia. - Por que usam essas coisas se incomodam tanto?

Reviro os olhos e bufo.

– Você nunca vai entender, Haymitch - respondo. Ele levanta as sobrancelhas, sentindo-se desafiado. Levanto as minhas também em resposta e volto a rumar para o meu quarto e, dessa vez, ele não diz mais nada.

Tranco a porta assim que entro e sento-me na cama, pensando em tudo o que Cinna me disse hoje mais cedo. Eu poderia dar um jeito nesse problema de Haymitch não conseguir dormir, tendo em consequência a nossa insônia; mas o problema é que até então eu nunca tivera algum tipo de conversa séria com ele. A verdade é que nunca nos demos bem. Nossas realidades são totalmente opostas, o que complica ainda mais a situação. Apenas convivemos, nos aturamos, nada mais do que isso.

Deito-me, mas não consigo dormir de imediato. Há muitas coisas na minha cabeça no momento para querer dormir. Fico olhando para o teto enquanto tento encontrar algo que me ajude a me aproximar de Haymitch, que me dê espaço para descobrir como poderia ajudá-lo a dormir - e a nos deixar dormir. - Mesmo depois das indiretas que viemos lhe lançando como "há quanto tempo você não dorme?" ou "já parou para ouvir o barulho que há neste andar de madrugada?", mas ele nunca se tocou.

Fecho os olhos e me concentro. Eu precisaria encontrar uma forma. Obviamente não estou sozinha, mas se eu quiser arriscar, terei que contar com esta alternativa.

You're Always Here - HayffieOnde histórias criam vida. Descubra agora