Escolho um vestido, mas fico na dúvida entre as perucas, pois também me pego pensando em que tipo de assunto irei tratar quando estiver com os garotos. Quando abro o armário, encaro as perucas por algum tempo até meu olhar ser preso por uma dourada. Pego-a nas mãos e imediatamente me lembro do pequeno tordo de Katniss, o pequeno broche que esteve com ela nos jogos. Não preciso pensar uma segunda vez antes de colocá-la.
E é justamente na hora do jantar que decido finalmente falar com os garotos. Quando chego ao vagão, todos estão sentados em algumas poltronas, próximos a mesa.
– Adorei seu novo cabelo, Effie - Peeta diz quando chego. Sinto-me aliviada por ele já quebrar o silêncio e evitar que ele se expanda.
– Obrigada - digo. Paro entre Katniss e Haymitch, sorrindo um pouco. - Estou usando para combinar com o broche da Katniss. Estava pensando em presenteá-los com algo dourado também.
– Por que? - Haymitch indaga.
– Para mostrarmos que somos um time! - respondo com meu mais convincente sorriso. Então sinto uma mão segurar a minha e é então que percebo que é Katniss. Quando olho para ela, vejo-a dizer "obrigada, Effie" e sorrir, então Haymitch também segura minha mão e assim ficamos por um ou dois segundos. - Bom... acho que devemos ver a recapitulação das colheitas. Vocês precisam conhecer quem vão enfrentar na arena dessa vez - acrescento.
Após alguns instantes, acredito, pensando no assunto, Katniss e Peeta concordam e então, após terminarmos o jantar, nos concentramos em ver quem serão os outros tributos vitoriosos que irão para a arena desta vez, mas não parece ter sido uma boa ideia. Haymitch parece estar de mal humor, o que deduzo ter sido efeito da bebida. Com certeza começou a se embriagar depois de ter falado comigo mais cedo. Ele observa, impaciente, os garotos tentando anotar o que pudessem de cada um que aparecia na TV, mas, mesmo assim, não demonstram um pouco de entusiasmo. Vejo Haymitch resmungar alguma coisa e sair do vagão. Suspiro e o acompanho até ele desaparecer de vista, mas ainda fico por algum tempo com o casal desafortunado, até perceber que eles também não parecem tão entusiasmados agora. Tento puxar assunto umas duas vezes e, percebendo que não terei sucesso mesmo se tentar mais dez vezes, decido voltar para a minha cabine.
Enquanto passo pelos vagões, olho de um lado para o outro, como se fosse encontrar Haymitch em qualquer lugar, mas deduzo que ele já tenha se recolhido a essa hora. Me pergunto se ele continua tendo pesadelos.
Entro na cabine querendo apenas dormir. Minha cabeça ainda pesa por conta de tudo o que aconteceu nos últimos dias. Assim que finalmente coloco uma camisola, deito na cama e tento afastar todos os pensamentos para tentar dormir.
Estou correndo em meio a árvores, a floresta está escura e à medida que vou entrando, a passagem entre elas vai ficando mais larga. Acelero o passo e é neste momento que percebo que estou sem sapatos. Corro a pés descalços e neste momento não me importo nem um pouco com a etiqueta.
Continuo correndo apenas olhando para frente. Apoio uma mão na perna e sinto, dentro de um dos meus bolsos, uma pequena adaga escondida. Seguro-a com firmeza e continuo correndo, até que tropeço numa raiz saliente no meio do caminho, mas ainda consigo amortecer um pouco a queda colocando as mãos no chão, que logo começam a arder com o impacto.
Solto um pequeno gemido de dor e então ouço passos velozes vindos de onde eu vim. Provavelmente estava atrás de mim.
Me levanto rapidamente e me escondo atrás de um tronco largo. Meus batimentos aceleram e tudo o que mais quero no momento é água. Olho para as minhas mãos, cheias de sangue, e agradeço por não ter um espelho por perto. A única coisa que me protege no momento é o casaco que estou usando.
Os passos vão chegando mais perto e parecem diminuir o ritmo, até que a pessoa se pronuncia.
– Trinket, sei que está aí! - ouço-o berrar e reconheço a voz de imediato.
Haymitch.
Penso em sair de onde estou e aparecer, mas uma voz na minha cabeça repete "não vá" o tempo inteiro, então apenas a obedeço e não me movo.
– Você vai ter que aparecer em algum momento, queridinha - sua voz acaba me deixando com calafrios. - Sei que está aí, Trinket. Dá pra sentir seu cheiro.
Me pergunto que cheiro seria esse. Estou em péssimas condições e tenho quase certeza de que o cheiro não é bom. Concentro-me em ouvir os seus passos, que agora estão rodeando o tronco atrás do qual estou escondida e começo a rodeá-lo também. Mas outra raiz me pega de surpresa e eu tropeço novamente, agora caindo de costas. Minha mão vai até a adaga e a segura firmemente, até que Haymitch corre até mim, com sua faca na mão e um olhar maníaco, sorrindo com vitória.
– Haymitch, por favor... - tento dizer algo, mas ele começa a me assustar.
– Não há misericórdia na arena, queridinha... - ele diz, segurando sua faca com mais firmeza. - Diga suas últimas palavras!
Haymitch empunha sua faca e depois de me lançar um último sorriso, desce até mim com rapidez.
– Não! - ouço-me gritar e então acordo. Sou obrigada a me sentar na cama e olho para os lados, para me certificar de que estou segura. Meu rosto está coberto de suor e não sei se estava gritando há muito tempo. Minha respiração está ofegante e isso me leva a conclusão de que eu estava assim há um tempo.
A porta da cabine se abre e Haymitch passa por ela rapidamente, dando a impressão de que estava correndo para chegar aqui.
– Era você que estava gritando? - ele pergunta, parando para se apoiar na parede.
Apenas assinto com a cabeça e pego um travesseiro para abraçar.
– Acho que estou melhor agora - minto. - Pode voltar a dormir, se quiser.
Haymitch dá uma risada breve e caminha até a cama, sentando-se ao meu lado. Aquele mal humor de quando estava no jantar parece ter sumido.
– E você acha mesmo que eu vou deixar você aqui? - ele indaga. - Acho que eu tenho que agradecer pelo que você já fez por mim. E dessa vez parece que os papéis se inverteram.
– Agora sou eu que estou tendo pesadelos - concluo. Haymitch se ajeita na cama e acena para que eu me aproxime. Faço-o sem relutar.
Aproveito um pouco a sensação de tê-lo perto de mim. Fecho os olhos por alguns instantes e percebo minha respiração voltar ao normal.
– Você estava com a sua faca - começo a contar, mesmo sem ele ter pedido. - Eu estava correndo e então tropecei. E você... - engulo em seco antes de continuar - você ia me matar.
– EI, ei, calma - murmura enquanto passa a mão no meu cabelo. - Ei... eu nunca vou machucar você.
Haymitch deposita um beijo na minha cabeça e me abraça por um bom tempo.
– Dorme comigo, por favor? - peço, ainda com a cabeça encostada em seu ombro.
– Vou pensar no seu caso.
– Vamos, Haymitch - insisto, olhando, dessa vez, em seus olhos. - Eu dormia com você quando tinha seus pesadelos.
– Estava comigo quando eu acordava? - ele indaga e acaba mexendo na ferida. Suspiro, sentindo-me péssima.
– Se quiser voltar para a sua cabine, pode voltar - digo desanimada. Desencosto do seu ombro e arrumo o travesseiro, deitando minha cabeça sobre ele logo em seguida. Viro-me de costas para ele e assim permaneço, até sentir um movimento no colchão e deduzir que Haymitch está se acomodando. Para confirmar minha suspeita, sinto seus braços me envolverem, trazendo-me para perto de si.
– Pode dormir - ele diz - garota da capital.
Não consigo evitar um breve sorriso. Não trocamos mais uma palavra. Ficamos apenas assim, deitados. É quando percebo como senti falta disso. Como estava contando os dias para vê-lo novamente, sentir seus braços me aquecendo, do seu companheirismo. Era esse o Haymitch que eu enxergava por trás da sua bebida.
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You're Always Here - Hayffie
RomanceExistem coisas que apenas o tempo pode nos mostrar. Coisas que estão na nossa frente o tempo inteiro, mas não conseguimos enxergar. Precisávamos um do outro cada vez mais, e essa necessidade de companheirismo acabou se transformando em algo maior.