FAYE
Quando um forte estrondo veio da minha porta, meu coração parou. Não, não, não! Ele me encontrou? Como?! Não podia ser verdade. Ninguém de Nova York sabia aonde eu tinha ido, somente Charlie. E ela nunca, nunca me trairia. Minhas mãos tremiam, fazendo o chá na xícara espirrar no chão. Eu não podia me esconder mais. Se ele estivesse aqui, sabia que eu estava em casa. Se eu corresse, ele iria me alcançar. E já estava escurecendo, entrar na floresta seria suicídio.
Olhei para o taco que coloquei do lado da porta, hesitando antes de abrir. Tentei ouvir algo, mas não havia nenhum ruído. Talvez ele tivesse ido embora? Desistido? Não, eu conseguia ver a sombra de seus pés pela fresta da porta. Respirei fundo e abri a porta devagar. Mas nada me preparou para a grande figura que estava na porta, ocupando todo o espaço. Ele era enorme, e estava sem camisa. Senti que meus olhos iriam saltar do rosto, quando fitei aquela montanha de músculos na minha frente. Abri minha boca chocada, mas um grito acabou dando lugar e meu chá voou direto para seu peito. Ele xingou, recuando enquanto tentava em vão esfriar o líquido quente.
Mas o que ele iria usar? As calças?!
Peguei o taco e o apertei nas mãos. Já pronta para acertá-lo.
--Quem é você?!-- gritei.--Vá embora!—o gigante gemeu com dor. Uma leve culpa me bateu.--Eu hum, desculpe pelo chá. Mas você me assustou.
Ele me olhou, e estremeci. Seu olhar era penetrante e intenso. Parecia enxergar minha alma. Aquela estranha sensação que me acometia sempre que ia para fora retornou. Nos entreolhamos num silêncio estranho. Seus olhos estavam fixos no taco que eu ainda mantinha erguido.
--Sou irmão do marido de Charlie, Kor.—ele disse. Sua voz muito grave e áspera. Como se ele não usasse muito. Relaxei um pouco, abaixando o taco apenas um pouco.
--Oh.
--Acho que não fui inteligente em aparecer aqui assim.
--Não.—concordei, olhando ao redor, nervosa por estar em sua presença. Não com medo, o que era estranho. Ele só estava me deixando autoconsciente. Corei ao perceber como estava vestida. Usava uma calça folgada e um suéter enorme. Meu cabelo estava uma bagunça sobre minha cabeça.—O que... em que posso ajudar?
Ele ficou surpreso com minha pergunta, sua mão foi até a cabeça sem jeito. Observei seus músculos se contraírem e tentei não olhar.
--Preciso que venha comigo.--ele disse. O fitei, sem entender.
--Perdão?
--Preciso que venha comigo.--ele repetiu, como se de repente fosse começar a fazer sentido.
--Não estou entendendo. Algo aconteceu com Charlie?—meu coração acelerou, sabendo que ela não havia retornado depois de ter saído do restaurante mais cedo. Ele fez uma careta.
--Não. Ela está com Roan.
--Ah.-- Soltei o ar.—Mas, por que preciso ir com você então?
--Você precisa ir para a comunidade.
--Comunidade?—pisquei. Ele suspirou, olhando para os lados impaciente. Gritei quando numa velocidade extra humana ele me puxou e me jogou sobre os ombros. Meu taco caiu no chão num estrondo. --Oh, meu Deus! O que você está fazendo? Socorro!—gritei a plenos pulmões, mas não havia ninguém ali que pudesse me ajudar. Ninguém! Eu sabia disso. Ele apenas me apertou mais contra seu ombro e continuou andando mata adentro.
Ele iria me matar não é?
Ele era um estranho, um assassino, um tarado. Comecei a chorar e rir ao mesmo tempo. Onde estava a ironia da vida? Eu fugi para não ser morta, e acabaria morta de qualquer jeito. No fim do mundo, onde ninguém descobriria.
Um uivo me fez erguer a cabeça bruscamente, pensei ter visto duas sombras passarem por nós. Eu sabia que havia animais na floresta, Charlie me alertou sobre.
--Você ouviu isso?
--Não se preocupe.--ele nem parecia estar cansado de me carregar, estávamos num terreno instável, e ainda assim ele mantinha uma respiração tranquila.
--Você não é irmão de Roan, é?
--Sou.
--Não, não minta pra mim. Você já me pegou, o mínimo que pode me dar é a verdade. Não quero morrer ouvindo mentiras.
Ele parou bruscamente e um rosnado soou vindo do peito dele. Espere, rosnado? Arfei quando ele me girou e me pôs no chão. Era a minha chance de correr, mas para onde eu iria? E até onde eu iria? Mais dois rosnados surgiram ao nosso redor e gritei ao ver dois imensos lobos nos cercando. Um de pelo castanho claro e outro da cor cobre.
--Vão embora.--Kor falou, soando indiferente. Os lobos se aproximaram mais, em alerta.--Isso é problema meu.—ele continuou. Um dos lobos, o de pêlo claro ergueu as orelhas e balançou o rabo.--Fique fora disso garoto.
--O que você está fazendo?—perguntei, tentando processar o que estava acontecendo.--Diga que você tem uma arma ou algo! Se nos atacarem não teremos chance!
--Estou levando-a para a comunidade.--Kor disse para os lobos como se eles fossem entender. Os lobos se entreolharam e recuaram para meu espanto, saindo em disparada. Kor não pensou duas vezes e voltou a me agarrar e jogar sobre os ombros. O que diabos estava acontecendo?!
Levou pouco mais de meia hora para ele voltar a me pôr no chão. Dei dois passos criando distância de seu corpo, tentando não cair de bunda no chão depois de ficar tanto tempo de cabeça pra baixo. Ele não me olhava, focando sua atenção em algo além de meu ombro. Ouvi uma comoção vindo em nossa direção. Me virei e quase tive um troço ao ver Kyan, Roan e Charlie vindo com expressões preocupadas. Haviam outros ao seu redor, curiosos com o que estava acontecendo.
--O que você fez Kor?--Charlie foi a primeira a falar indo para meu lado.--Você está bem?
--Ele me sequestrou!--murmurei baixo, tremendo. Ela ficou pálida e lançou um olhar alarmado para seu marido. Roan encararou Kor com raiva.
--Vamos para o Centro.--Roan falou, com um tom de voz que não deixava espaço para negação. Kor franziu o cenho e me olhou.
--Eu a trouxe em segurança.
--Kor, aqui não.--Kyan disse, rindo e gesticulando para a platéia a nossa volta.
Kor pareceu perceber que chamávamos atenção e rosnou, fazendo muitos se dispersarem. Ele se aproximou de mim e recuei, me agarrando a Charlie. Ele me fitou confuso, e baixou a cabeça parecendo magoado, e passou por nós sumindo entre a multidão. Roan suspirou.
--Vamos. Kyan certifique que ele nos encontre lá.--ele ordenou e sua expressão suavizou ao se virar para nós duas.--Charlie, traga Faye.
--Espere, o que está acontecendo?--perguntei.--Quem é ele? E o que é esse lugar?
--Bem, vamos responder todas as suas perguntas.--Charlie disse, dando um sorriso sem graça.--Vamos, não vou sair do seu lado, não se preocupe.
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O Coração de Kor
WerewolfUm vive preso na dor do passado. Kor viveu dia após dia esperando vingar a morte de seus pais e irmã, quando enfim conseguiu, o vazio que ficou quase o fez se entregar ao seu lado animal para sempre. Mas o destino tinha outros planos para ele. Uma...