Capítulo NOVE

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FAYE

Amei a cachoeira. Foi exatamente o que Hanna prometeu. Já estava ali há duas horas e meu corpo nunca se sentiu tão relaxado. Era quase um paraíso. As águas eram cristalinas, podia ver as rochas e alguns peixes ao fundo. Queria ter uma câmera para poder registrar o que meus olhos viam, mas ao mesmo tempo, achei que seria uma violação. Era o tipo de lugar que deveria permanecer em segredo. Li mais alguns capítulos do meu livro antes que a brisa leve me fizesse cochilar sob a manta que havia estendido sobre uma pedra lisa um pouco acima da linha da água.

–Para onde pensa que está indo?--a voz seca de Cane me fez hesitar na porta. Um tremor me sacudiu, e tomei fôlego antes de me virar, apertando a alça da minha bolsa na mão.

–Eu tenho um turno no restaurante. Eu te falei papai.--falei, cautelosa. Náusea ameaçou subir pela minha garganta quando o título saiu pelos meus lábios. Cane me obrigava a chamá-lo de "pai" sempre. Ele não era meu pai. Eu o odiava por isso, por tudo que ele era e fazia comigo.

–Você não tem permissão para sair depois das seis.--Ele semicerrou os olhos, procurando algo que não existia em minhas palavras.

–Eu sei, papai. Mas o meu chefe precisou e me perguntou. Eu não queria dizer não.

–Apenas prostitutas saem a noite desacompanhadas.--ele cuspiu as palavras, agarrando meu braço com força.–Volte para seu quarto!

–Eu tenho que ir.--murmurei. Não podia perder esse emprego. Não iria perder a única coisa que me possibilitava um futuro longe dele, dessa vida.

–Cane?!--a voz da minha mãe o fez desviar os olhos de mim. Ela pareceu absorver a situação e deu um meio sorriso.--Oh, ei. Algum problema?

–A puta da sua filha quer sair, Deus sabe para quê.

–Mãe, é trabalho. Apenas um turno à noite, por favor.--pedi.--Pode ligar para lá e confirmar.

–Faye...–ela hesitou, receio em seus olhos.--Pode ir, mas diga ao seu chefe que é apenas essa vez.

–Isso é um erro!--Cane falou.--Você deu liberdade demais para essa menina. Logo mais ela irá aparecer grávida.

–Faye não é assim.--mamãe tentou me defender.

–Toda mulher é.--ele a cortou.--Você não lembra como estava antes de eu a salvar?

–É claro, Cane.--ela abaixou a cabeça em submissão. Eu não podia nem odiá-la. Ela estava presa tanto quanto eu. Ela tinha medo dele tanto quanto eu.--Mas ela irá avisar que não vai mais pegar turnos noturnos, não é?

–Sim.--assenti, a contragosto. Turnos noturnos davam melhores gorjetas e dinheiro era tudo que eu precisava agora.

–Algo precisa ser feito sobre isso.--ele resmungou indo para a sala. Soltei o ar aliviada. Minha mãe me olhou com censura.

–Vá!--sussurrou. Por um segundo hesitei.--Faye, eu vou acalmá-lo. Você já fez o suficiente. É seu primeiro e último turno a noite, ok?!

–Ele vai lhe machucar?--perguntei. Ela negou.

–Ele nunca encostou a mão em mim, não seja boba.

Infelizmente eu não acreditava nela. Eu podia ver em seus olhos que ele a estava destruindo aos poucos e ela não enxergava quem ele realmente era. Mas se eu fosse e conseguisse mais dinheiro logo poderia nos tirar daqui. Eu estava fazendo a coisa certa. Disse para mim mesma. Lhe dando um rápido abraço corri para o ponto de ônibus com um peso no peito.

O Coração de KorOnde histórias criam vida. Descubra agora