FAYE
Charlie me levou até uma construção grande e confortável, havia diversos sofás, e cadeiras com mesas no espaço. Sentamos em uma delas e uma xícara de chá surgiu na minha frente. Olhei para a garota de longos cabelos pretos que me serviu, me dando um sorriso reconfortante.
--O que é esse lugar?--olhei ao redor, e para a porta, notando diversas pessoas indo e vindo.--É uma seita?
--Meu Deus, não!--a morena riu.--Sou Hanna.
--Sou Faye, e me desculpe.--falei franzindo.--Estou confusa, Charlie. Aquele homem, Kor, disse que era irmão de Roan. Ele apareceu na minha porta e me jogou no ombro, me trazendo aqui.
--Bem, podia ser pior.--Hanna murmurou. Charlie revirou os olhos e gesticulou para ela sair. Hanna prontamente levantou e nos deixou sozinha.
--O que podia ser pior?--perguntei.
--Kor é irmão de Roan.--ela disse.--Ele, todos aqui na verdade sofreram muito nos últimos anos. Tiveram muitas perdas, mas Kor foi muito afetado. Desde então se manteve isolado do resto da comunidade. Sua habilidades sociais estão, digamos, enferrujadas.
--Eu sinto muito. Mas o que eu tenho a ver com isso?
--Ele é muito protetor, e acredita que trazendo você aqui a manterá segura.
--Não entendo, Charlie. Por que ele se importaria? Nunca o vi antes.
--Querida, como posso explicar para você?--ela suspirou, aflita.--Todos aqui são pessoas diferentes, e essas diferenças os fazem ser muito protetores com as mulheres.
Uma sensação desconfortável tomou conta do meu corpo, uma dormência que há muito passei a reconhecer como familiar me balançou. Olhei para os lados com medo de não estarmos totalmente sozinhas, me inclinei na direção de Charlie.
--Charlie, tive a impressão que Roan é louco por você, mas entendi errado? Ele te mantém presa aqui?
Uma expressão chocada e de horror passou pelo rosto da minha amiga. Recuei, incerta.
--Eu posso inventar algo, tirar você daqui.--falei. Ela empalideceu.
--Faye, o que você não está me contando?--sua mão envolveu a minha.--Por que acha que Roan me trata mal?
--Você diz que eles são protetores com as mulheres, mas não entendo. Por que eu teria algo a ver com isso? Não conheço ninguém, moro em Mayce há um mês.--argumentei.
--Há uma razão para eles serem assim e não é com todas as mulheres no geral. Eles são civilizados na maior parte do tempo. Mas há certas mulheres que trazem o lado mais... primitivo deles.
--Não estou gostando disso.--falei, desviando os olhos dela. Eu amava Charlie, mas sentia que ela estava me escondendo algo.--Posso ir? Quero voltar para a cabana!
--Claro. Deixe-me falar com Roan.--ela assentiu, sorrindo mesmo aparentando estar triste.-- Vou avisá-lo que irei te levar de volta.
--Não precisa, eu posso encontrar meu caminho sozinha.
--Estamos muito afastados da cabana, e você teria que andar pela floresta, não há maneira alguma de conseguir chegar lá antes de escurecer. Isso se você não se perdesse antes disso.--ela insistiu.
--Eu posso acompanhá-la.--a voz grave me fez levantar assustada. Levei a mão à garganta por reflexo, o que não passou despercebido pelos olhos escuros que me fitavam. Charlie se pôs entre nós.
--Kor, acho que não é uma boa idéia. Onde está Roan?
--Tivemos um desentendimento.--ele disse, com uma breve expressão de culpa. Charlie fez uma careta.
--Onde ele está?--ela repetiu.
--Ileso, claro.--ele disse, como se a pergunta dela fosse absurda.--Está ajudando Kyan a ficar de pé.--ao falar isso ele avançou dois passos.--Por favor, deixe-me falar com Faye.--meu nome na sua boca era estranho, mas me fascinou como nada antes.--Quero me desculpar.
--Não sei, Kor...--ela começou, mas algo em mim sentiu a necessidade de ouvi-lo.
--Charlie, tudo bem. Quero ouvir seu lado.--falei, tentando soar corajosa. Charlie hesitou, mas após alguns segundos assentiu.
--Vou estar lá fora, por favor, me chame se precisar.--ela lançou um último olhar a Kor que se encolheu e baixou a cabeça quase como se fosse submisso a ela. Achei tudo aquilo estranho. Só queria ir para casa. O grande espaço de repente havia ficado menor. Nos olhamos com receio e estranheza.
--Sou Kor.--ele disse, sentando no lugar que Charlie antes ocupava.--Queria poder dizer que o que fiz foi um lapso momentâneo de insanidade, mas estaria mentindo. Meus irmãos sabem o quanto estou perto da borda nos últimos anos.--ele parecia envelhecido, cansado, e triste ao falar. Devagar sentei no meu lugar, atraída por esse homem.
--Por que me trouxe aqui?
--Aqui é o lugar mais seguro que conheço.
--Mas por que eu? Eu só conheço Charlie e Roan, nunca o vi na minha vida. Por que se importa?
Vi seu rosto se contrair, e tensão dominar seus ombros.
--Peço perdão pela forma que agi. Eu a vi quando se mudou, a cabana fica perto do meu território. Pertencia a um familiar meu.--ele revelou.--Como sentinela do bando, meu dever é sempre saber quem ronda nossa área.
--Sentinela? Bando?--pisquei confusa.--Do que está falando? Olha, eu aceito suas desculpas. Roan me disse que eu podia usar a cabana, mas posso encontrar outro lugar se te incomoda. Eu só não estou interessada em me envolver em nada complicado, e você não está fazendo sentido.--falei, uma expressão de dor passou por seu rosto e quase me senti culpada.--Eu tenho que ir.--afirmei, levantando.
--Minha mãe, meu pai e minha irmã foram mortos há dez anos atrás.--ele falou de repente, me paralisando.--Era meu dever cuidar deles, protegê-los, e falhei.
--Eu... sinto muito.--gaguejei.
--Fomos atacados por inimigos, que massacraram muitos dos nossos, Roan perdeu ambos os pais naquela noite também.
Lágrimas vieram aos meus olhos, horrorizada com o que ele me confidenciou.
--Lembro de ter gritado ao vê-la e tudo que aconteceu a seguir é um grande espaço em branco em minha memória. Tenho vivido desde então sozinho em minha casa, me afastei das pessoas, da comunidade. Então a vi na cabana da minha irmã, sozinha, senti que precisava lhe proteger. Apenas não posso deixar o passado se repetir.
--Kor eu não posso imaginar o que você passou.--falei, me aproximando dele.--Eu realmente sinto muito.--reafirmei, tocando em seu braço.--Se vale de algo, eu realmente estou bem na cabana, é o primeiro lugar em anos que me sinto à vontade. Não precisa se preocupar com minha segurança.--acrescentei.
Kor olhou para minha mão em seu braço e eu retirei sem jeito.
--É melhor eu ir.--disse.
--Faye, espere... eu posso vê-la novamente?--ele perguntou. Hesitei, indecisa.
--Não sei, Kor... você me assustou. Mas entendo você melhor agora que me contou sobre seus pais e sua irmã. Se quiser posso deixar a cabana e procurar outro lugar, falo sério.
--Não, não me importo que fique lá.--ele baixou a cabeça.--É um lugar bom para se viver e fico satisfeito que esteja gostando.
--Obrigada. Talvez nos vejamos por aí, ok?--falei, tentando soar positiva.
--Charlie está esperando no carro para lhe levar.--ele disse.--Foi bom finalmente falar com você.
--Adeus, Kor.
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O Coração de Kor
Loup-garouUm vive preso na dor do passado. Kor viveu dia após dia esperando vingar a morte de seus pais e irmã, quando enfim conseguiu, o vazio que ficou quase o fez se entregar ao seu lado animal para sempre. Mas o destino tinha outros planos para ele. Uma...