Capítulo SETE

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FAYE

Os ventos estavam aumentando, podia ouvir o zumbido dele passando entre as frestas das janelas da cabana. Me encolhi no sofá em frente a lareira, com um cobertor e um livro que havia pego na biblioteca da cidade. Era um romance hot de época. Enquanto lia as páginas com um rubor no rosto, quase pulo pra fora da pele quando duas batidas na porta me assustaram. Não foi diferente dessa vez, o medo foi o primeiro sentimento que tive. Me forcei a respirar fundo e repetir para mim mesma "Ele não te achou. Ele não está aqui.". Levantei, checando meu taco duas vezes antes de abrir a porta.

–Oi Faye. Lembra de mim? Hanna! Espero não aparecer em uma hora ruim.--a modelo de cabelos pretos me bombardeou, antes que eu tivesse qualquer chance.

–Hum, sim. Hanna.--gaguejei. Ela abriu um grande sorriso e ergueu uma cesta.

–Vim trazendo presentes de boas vindas.

–Moro aqui há mais de um mês.--falei, confusa.

–Muito aconteceu no último mês.--ela fez um gesto dramático.--Mas vim aqui para corrigir isso.

–Charlie a mandou aqui?--perguntei, sem entender a garota.

–Charlie, oh não. Ela deve estar namorando com meu irmão, se é que você me entende. Aqueles dois estão apenas pedindo por filhotes.--arregalei os olhos com seu comentário. Não queria pensar em Charlie e Roan... namorando.--Eu só precisava me afastar de todo romance e drama rolando em casa. Deus sabe que preciso disso.

Imediatamente gostei dela.

–Eu não tenho comida fresca, mas tenho chá.--ofereci, dando espaço para ela passar.

–Eu vim preparada.--ela sacudiu a cesta, entrando na cabana, e indo direto para a cozinha.--Eu amo cozinhar, não sou tão boa quanto Charlie, mas me viro.

–Eu acho que ninguém cozinha melhor que Charlie.--confessei, soltando um suspiro triste. Ela riu, tirando vários ingredientes da cesta. Vinte minutos depois, toda a cabana estava cheirando a macarrão de alho com camarões. Ela havia trazido vinho, o que eu hesitei em beber, mas por que não? Eu estava livre agora.--Uau, Hanna. Isso está delicioso.

–Obrigada.--ela agradeceu.--Então, eu posso ter segundas intenções em vir aqui.--ela fez uma careta de culpa. A fitei, um pouco tensa e surpresa.--Lyla era minha melhor amiga, e essa era a cabana dela. Não vinha aqui desde que ela morreu...e eu acho que queria me proteger disso, não sei.

–-Tudo bem, eu entendo. Quer dizer, não entendo o sentimento, mas posso imaginar.

–Fiquei surpresa quando Roan me disse que tinha oferecido o lugar para você. Ainda mais com Kor morando quase ao lado. Ele tem aparecido?

–Não, não desde o incidente.--falei. Ela estremeceu.

–Kor e Lyla... nós três éramos uma unidade. Éramos inseparáveis, sonhadoras. Kor morria de dor de cabeça por nós. Quando ela foi morta... todos nós partimos com ela, um pedaço de nós pelo menos, mas Kor, ele quebrou completamente. Talvez por serem gêmeos, ou por se amarem tanto. Ele se afastou de mim, de todo mundo. Então, eu me rebelei.

Permaneci em silêncio enquanto ela desabafava.

–Como eu disse, nós éramos sonhadoras, queríamos uma vida além de Mayce, não para sempre, mas por um tempo. Tínhamos um plano e estava tudo encaminhado. Então, eu estava sozinha, tudo estava em pedaços.--ela respirou fundo.--Eu deixei uma carta para Roan e fugi. A verdade é que havia sido aceita em medicina em Yale. Lyla havia entrado para Direito. Eu cursei dois anos antes de Stone me achar. Tivemos uma briga feia, e eu me recusei a voltar. Ele ficou por perto por semanas, até que viu que eu estava bem e segura. Ele voltou para Mayce e eu me formei. Eu havia sofrido o luto e fiz o que precisava, mas minha partida feriu Roan, feriu a todos. Stone nunca mais confiou em mim, nossa relação ficou estranha desde então.

–Hanna, sinto muito.

–Eu fui egoísta.

–Você estava machucada, sofrendo.

–Eu era apaixonada por ele, sabia?--ela disse.--Stone.

–OH.

–Mas ele nunca me viu dessa forma. Eu joguei isso na cara dele na época, e ele apenas disse que eu era uma criança mimada.

–O odeio.

–Não. Ele estava certo. Eu era. Ainda sou um pouco. Sempre acabo fazendo coisas que não devo, saindo escondida, essas coisas.

–Mas você é adulta.

–Sim, tenho assumido muitas responsabilidades desde que voltei. Tento me redimir e fazer tudo o que posso pela comunidade.

–Mas você está feliz?--perguntei. Hanna franziu o cenho.

–Eu estou tentando.

–Estou feliz que veio.--falei, pegando em sua mão.

–Estou feliz por vir.

–Que tal um chá?--sugeri. Ela riu, enxugando as lágrimas e assentindo. Ela foi para o sofá e preparei nossos chás. Quando me aproximei dela, quase derrubo as xícaras ao vê-la segurando meu livro indecente.--Oh Meu Deus!

Hanna sorriu e balançou o livro.

–Eu amo essa autora. Já li dezenas de livros desse gênero e esse é meu favorito.--disse. Eu ri, aliviada mas ainda um pouco envergonhada.--O que achou do capítulo quinze?

–Ainda estou no dez.

–Prepare suas calcinhas, é quente.--ela exclamou e ri chocada.

–Eu não tenho esse tipo de experiência.--confessei, vermelha como um pimentão. Hanna arqueou as sobrancelhas.

–Sério? Quantos anos tem?

–Vinte.

–Um bebê.

--Quantos anos você tem?--perguntei, curiosa. Hanna revirou os olhos.

–Velha.

–Impossível.

–Somos todos velhos rabugentos por essas bandas.--ela piscou. Eu ri, tomando um gole do chá. Eu realmente gostava de Hanna.

O resto da noite passou num borrão de risos e histórias. Hanna amava falar de Roan, e dos irmãos. Queria perguntar mais sobre Kor e Lyla, mas preferi não voltar a tocar no assunto.

–Há alguns quilômetros ao sul tem uma cachoeira maravilhosa.--ela disse, indo para porta.--Devia ir.

–Charlie e Roan disseram que eu deveria ficar longe da floresta.--lembrei.--Por causa dos animais. E vi lobos também.

–Eles ficam longe dessa área. Não deve encontrar nenhum na caminhada, e se encontrar vão lhe deixar em paz. Você mora aqui há tempo suficiente para reconhecerem seu cheiro.

–São lobos.--a lembrei.

–Você está segura aqui, Faye. Prometo.--ela assegurou.--Agora, sério, conheça a cachoeira, você vai se apaixonar.

–Por que não vem comigo?

–Não posso, estou de babá amanhã.--ela fez um bico.--Mas eu irei aparecer qualquer dia desses. Com mais vinho para podermos discutir o capítulo quinze.

–Deus.

O dia amanheceu ensolarado, rolei na cama, pensando que poderia muito bem ficar nela o resto do dia. Mas não queria ser tão preguiçosa, tenho feito isso nos últimos finais de semanas, e por mais que eu gostasse do meu canto e silêncio, sentia falta de sair por aí. Era meu hobby predileto em Nova York, andar pelas ruas e apenas me misturar. Conhecer novos lugares e sonhar em realmente vivenciá-los.

Sentei na cama de súbito. Não iria passar mais um dia da mesma forma.

Eu iria sair e arriscar.

Seguir o conselho de Hanna e tentar a cachoeira.

Levantei, animo me dominando, lavei o rosto, escovei os dentes e preparei uma bolsa para minha caminhada. Iria levar meu livro, alguns lanches e frutas. Seria um bom dia, podia sentir.

O Coração de KorOnde histórias criam vida. Descubra agora