Le Principe Du Vol

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Dezembro deu as boas-vindas com uma sútil queda na temperatura da cidade. O início do último mês do ano era marcado pela decoração da árvore de Natal do Rockfeller Center, uma das mais famosas de Nova York. O impoente pinheiro colorido por globos e luzes era mais um detalhe do simbolosmo natalino que parecia fazer Nova York pulsar.

O caos que virava o comércio fazia parte do charme daquela época do ano. Era fácil ser seduzido pelas vitrines de lojas como a Sacks e a Macy's, que apesar de sempre muito movimentadas, envolviam as pessoas na magia natalina através de enfeites, músicas típicas e até mesmo com a presença do bom velhinho.

Naquela noite, o Empire States estava iluminado em verde e vermelho.

De dentro do táxi que cortava a 5° Avenida, Anahi não pôde deixar de olhar para cima e admirar aquele manto de cores que parecia envolver o edifício. Apesar de ser nascida e criada em Nova York, aquela atmosfera sublime da cidade nunca deixava de cativá-la. Olhar a cidade — que parecia respirar o Natal por todos os poros — através da janela do carro  fazia Anahi se sentir em um filme daqueles bem clichês. E o longo caminho até o Bryant Park era um prato cheio para seus olhos contemplativos.

Ao chegar feira natalina Bryant Park Winter Village, a sensação de estar em uma cidade cênica aumentou. Eram tantas luzes, cores, sons e cheiros que Anahi sentiu dificuldade em focar em algo específico. Ela sorriu brevemente, olhando com fascínio para a agitada pista de patinação. Era capaz de sentir o seu ritmo cardíaco vibrar na mesma frequência das pessoas que estavam ali, cuja alegria parecia se espalhar em ondas.

Fazia muito tempo que ela não se dava ao desfrute de um programa como aquele. Antes, porque só conseguia enxergar dor e tristeza, depois, porque o trabalho na Petit Art em época de final de ano era exaustivo.

Sim, um mês após a fatídica visita à Escola, Anahi decidiu que daria uma nova oportunidade a sua carreira. E a decisão tinha se mostrado mais do que acertada, até então.

A volta ao trabalho tinha devolvido um pouco do brilho de Anahi, de forma que ela agora conseguia dar espaço a outras emoções que não tinham relação com os dissabores vividos por ela. Prova disso era estar ali agora, parada próxima a enorme árvore e não se sentir imune a todo o magnetismo que pairava naquele lugar.

Em pensar que quase recusara o convite de Ian para sair.

O amigo vinha chamando-a para sair há muito tempo, mas ela vinha relutando e os espetáculos de fim de ano da Petit Art dificultavam ainda mais um encontro dos dois. Até que um dia Ian a intimou a contar-lhe todas as novidades e fez o convite para irem à feira Natalina. Anahi, que era conhecida como a "louca do Natal", aceitou.

Falando nele, Anahi resolveu passear os olhos pelas pessoas, na tentativa de encontrá-lo. Seria muito mais fácil ligar ou mandar uma mensagem, mas a verdade era que queria desfrutar um pouco mais da sensação de poder sentir algo novo após muito tempo.

Ela foi caminhando, abrindo espaço entre a multidão, sem pressa. Enfiou as mãos no bolso do casaco para se proteger melhor do vento frio, mas soltou um suspiro aborrecido em seguida ao se dar conta que deveria abaixar o gorro primeiro para proteger as orelhas. Era estranho estar sem um de seus inseparáveis lenços, mas a ocasião pedia. Voltando a caminhar, ela se aproximou ainda mais da pista de gelo. Como se por magnetismo, seu olhar se fixou em um casal, que patinava com um garotinho que não devia ter mais do que cinco anos. Eles o seguravam pela mão e riam da tentativa do menino de deslizar pelo gelo.

O olhar dela se perdeu naquela cena e seu coração deu um solavanco dentro do peito. Aos poucos, o sorriso dela foi morrendo.

Anahi desviou o olhar rapidamente, antes que sua mente a traísse projetando situações que eram improváveis de acontecer. O coração dela afundou no peito de tanta saudade. O que era pior: de coisas que ela nem chegou a viver.

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