A chegada do verão brindava Moscou com temperaturas mais amenas, o que era um bálsamo para a cidade que havia sido castigada com baixíssimas temperaturas no rigoroso inverno.
Metade do ano já tinha corrido e o dia do espetáculo se aproximava cada vez mais, fazendo o Bolshói virar aquela confusão típica de uma escola de dança prestes a apresentar um espetáculo. Nem mesmo a maior companhia de dança do mundo estava imune ao percalços que antecedem uma estreia e o Bolshói, além das apresentações de balé, recebia também óperas, concertos etc, como todo Teatro. Aquele lugar respirava arte o tempo inteiro.
O resultado de todo o estresse com a iminete estreia era todos em um estado de nervos praticamente insustentável. Alunos, diretores, professores, figurinistas, todos que faziam parte da escola estavam com os ânimos nada amenos e o Bolshoi parecia uma bomba prestes a ser detonada. Não raramente, via-se pequenas discussões pelos corredores, burburinhos pelas salas, pessoas com a cara fechada. Bastava uma fagulha, um pequeno incentivo para que aquilo explodisse.
Naquele ritmo, Anahi e Alfonso não voltaram a se aproximar. Pelo menos não de forma romântica. Ele estava sempre presente nos ensaios, auxiliando não somente ela, mas toda a turma pelo qual era responsável. Anahi agradecia por ele dirigir aquele ato da apresentação, pois sua presença ali a deixava mais segura, principalmente com Alexander pegando no pé dela. Naquelas semanas, ela estava totalmente focada em dar o melhor de si. Queria provar para si mesma que era capaz e merecedora de estar ali. E, claro, fazer Alexander engolir suas palavras nada educadas quando se referia a ela. Se tinha uma coisa que Anahi não permitia, era que questionassem seu valor como profissional. Todo dia ela sentia uma raiva homicida crescer dentro de si contra seu colega e tinha que se segurar a cada célula de controle do seu corpo para não explodir com ele. Nesses momentos, Anahi respirava fundo e contava até dez. Se o que ele queria era descontrolá-la a ponto dela fazer um papelão, ia esperar sentado.
Os dias eram bastante longos, cansativos e os ânimos não ajudavam em nada. Felizmente, Anahi estava acostumada a dias assim. Áquela altura, a divulgação do espetáculo " La Bayadere" já ganhava as ruas de Moscou através de cartazes, outdoors e exposição em telões e outros meios de comunicação. Cada vez que passava por um desses, Anahi sentia uma emoção diferente e um orgulho enorme dominar seu peito. Ela já fora estrela de um dos balés mais famosos — senão o mais famoso — do mundo. Já viu seu rosto estampado pelas ruas de Nova York. Mas estar vivenciando aquilo era diferente. Ela simplesmente fazia parte da maior companhia de dança do mundo.
Entre tantas emoções diferentes e vivendo um dia de cada vez, o fim de semana do espetáculo finalmente chegou. Entre destroços e feridos, todo mundo sobreviveu.
Uns mais feridos que outros, como em breve vamos descobrir.
Era sexta-feira — o espetáculo seria domingo — e os últimos ajustes estavam sendo feitos. Os figurinos já haviam sido entregues, a distribuição dos camarins organizada, som, luz, tudo testado. Mesmo assim, o caos ainda não havia sido contornado.
Aquele era o dia da passagem de palco, um dos momentos que Anahi mais odiava. Era repetitivo, cansativo e até certo ponto tedioso para ela. Estava soada, alguns fios dourados do seu curto cabelo estavam grudados em sua testa e ela ofegva. Já havia repassado seu pas de deux com Alexander diversas vezes, mas Alfonso sempre os interrompia para ajustar uma coisa ou outra. Ela podia sentir a fúria de seu colega crescendo em ondas, mas preferiu ignorar aquilo.
Quando as últimas notas soaram do piano, Anahi respirou aliviada. Finalmente havia acabado. Alexander a pousou no piso do palco com força demais e ela ia reclamar, mas estava estava tão cansada que seu corpo ganhou facilmente a batalha. Ela não iria puxar aquela briga agora.